De Olho na História
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Vargas contra os “Inimigos do Batente” - 02/04/2004
O Departamento de Imprensa e Propaganda e os sambistas populares

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Cartões postais exaltando as realizações do governo Vargas, editado pelo DIP, 1937/1945. Rio de Janeiro (RJ). (CPDOC/ GV foto 091/10)

A Criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) em 1939 pretendia fazer da política do Estado Novo o discurso corrente nas ruas de todo o país. Isso já estava sendo feito pelo governo Vargas desde 1931 quando surgiu o primeiro antecessor do DIP e também com suas atualizações ocorridas nos anos seguintes (Em 1931 o órgão ficou conhecido como Departamento Oficial de Publicidade; a partir de 1934 transformou-se em Departamento de Propaganda e Difusão Cultural; essa nomenclatura foi substituída em 1938 por Departamento Nacional de Propaganda).

O golpe do Estado Novo realizado em 1937 com base nos falsos documentos do Plano Cohen havia estabelecido condições plenas e adequadas para a aplicação dos projetos previstos pelo DIP. As restrições políticas haviam permitido a cassação dos oposicionistas e o silenciamento do Congresso. A Aliança Nacional Libertadora (ANL) e os Integralistas desde 1935 sofriam intensa perseguição e já não constituíam voz ativa capaz de questionar as soluções políticas implementadas por Getúlio.

Na área cultural, apoiado por um órgão composto por intelectuais do modernismo conservador, capitaneado por Gustavo Capanema, o governo Vargas pretendia homogeneizar a cultura nacional. Para tanto investiu maciçamente na produção de cartilhas e materiais escolares que carregassem em suas capas e conteúdos a mensagem do Estado Novo. Investiu num cinema de caráter educativo com obras sendo produzidas e fiscalizadas por Humberto Mauro. Apostou nos cantos orfeônicos de Villa-Lobos. Incentivou o surgimento de um samba adequado ao trabalhismo. Chegou mesmo a criar o dia da Música Popular Brasileira.

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Aspecto da concentração trabalhista de 1º de maio, no estádio municipal do Pacaembú, 1944. São Paulo (SP). (CPDOC/ CDA Vargas)

A equipe de Capanema era formada por alguns dos mais prestigiados intelectuais brasileiros como Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade. Entre as contribuições mais significativas do DIP poderíamos citar a criação do Senai (Serviço Nacional da Indústria) e do Senac (Serviço Nacional do Comércio), o surgimento da Universidade Brasil, o Instituto Nacional do Livro e o Serviço do Patrimônio Histórico e Cultural.

Paralelamente a essas realizações, Vargas aplicou uma rígida censura e perseguiu aqueles que se mostravam contrários a seus projetos na área cultural. Monteiro Lobato, por exemplo, foi preso algumas vezes (apesar de toda a repercussão de sua obra já naquela época, especialmente de sua obra dedicada as crianças, Lobato tinha opiniões fortes e resolutas quanto a política, economia e cultura que confrontavam Vargas e que fizeram dele um dos presos políticos mais destacados de então).

Outra arbitrariedade praticada por Getúlio através do DIP se deu com a intervenção nos jornais de grande circulação da época que passaram a sofrer forte censura e perderam sua autonomia, tornando-se a partir de então veículos de propaganda e divulgação das realizações de Vargas. Além dos diários “A Manhã” e “A Noite”, também a Rádio Nacional passou a ser tutelada pelo governo. Outra publicação que se tornou “porta-voz” dos interesses do getulismo foi à revista “Cultura Política”.

Além disso, é dessa época o surgimento do Repórter Esso e da Voz do Brasil.

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As grandes manifestações de massa do nazismo e do fascismo serviram de modelo e inspiração para Vargas e para as ações do DIP.

O que se tentava fazer era conferir ao país uma nova dinâmica econômica que encontrasse respaldo na alteração dos hábitos e da cultura de todo o país. Inspirado nos modelos importados (e muito bem sucedidos) da Alemanha Nazista e da Itália Fascista, o Brasil tentava realizar a sua própria lavagem cerebral coletiva. Espelhos e modelos de Getúlio, Hitler e Mussolini estavam com os dias contados na Europa, apesar disso, o DIP carrega em suas características muito daquilo que foi usado na Itália e na Alemanha dos anos 1930 e início dos 1940.

Como toda e qualquer tentativa de criar discursos uníssonos, também no Brasil surgiram resistências, apesar da perseguição e da censura. É nesse ínterim que surge a figura do malandro carioca, sambista dos bares, pregando em favor da ociosidade e do prazer como contrapartida aos sacrifícios do trabalho. São os “inimigos do Batente”.

Apesar das restrições impostas pelo DIP a sua atuação e mesmo a sua existência, esses compositores de mesa de bar e suas canções superaram as arestas da censura e conseguiram ganhar as rádios e mesmo prêmios distribuídos pelo governo Vargas (como é o caso do samba “Oh! Seu Oscar” de Ataulfo Alves e Wilson Batista que ganhou o prêmio de melhor samba de 1940 em concurso promovido pelo DIP). Para tanto tinham que disfarçar suas canções de forma a não deixar claro toda a malandragem e vadiagem perseguidas pelo trabalhismo de Getúlio.

O mais interessante é perceber que a atuação do DIP, apesar da comprovada repercussão, tinha maior repercussão entre as camadas mais esclarecidas da sociedade, formadas por leitores de jornais, freqüentadores mais assíduos dos cinemas, moradores das principais áreas urbanas do país e que tinham possibilidade de freqüentar os bancos escolares.

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Aurora Miranda e Ataulfo Alves fazem parte do grupo de compositores e cantores que através de suas músicas acabavam se opondo às diretrizes do Estado Novo.

Por outro lado, o rádio era o principal veículo de comunicação do país no período e, por mais que fosse controlado, tocava freqüentemente as canções compostas por sambistas populares que contrariavam os ditames do Estado Novo. Sua capacidade de atingir as camadas mais populares de todo o país (inclusive dos principais centros urbanos) era maior que a dos jornais e revistas controlados pelo estado getulista ou mesmo pelo cinema de Humberto Mauro a serviço de Vargas.

Nem mesmo a educação tinha tantas possibilidades quanto o rádio, especialmente se levarmos em conta que apesar das novas leis e propostas do setor, a aplicação de políticas públicas que tornaram a escola acessível a um contingente considerável de brasileiros só consegue se efetivar a partir dos anos 1960/1970.

É nesse sentido que compositores como Geraldo Pereira, Wilson Batista, Haroldo Barbosa e tantos outros, assim como cantores e cantoras como Dircinha Batista, Aracy de Almeida, Aurora Miranda, Ciro Monteiro (entre outros) se tornaram a principal corrente oposicionista a fazer estragos nos planos políticos de Getúlio Vargas. Logo eles, compositores de “sambas malandros”, assíduos freqüentadores do bar da esquina...

Obs:. Para a composição desse texto foi fundamental a pesquisa em duas fontes principais:- O artigo “Os desafinados do samba na cadência do Estado Novo”, de Adalberto Paranhos, publicado na edição de Fevereiro de 2004 (Ano 1, nº 4), da revista Nossa História; O material disponibilizado pelo CPDOC – O Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), disponibilizado através de seu site (www.cpdoc.fgv.br). Duas imagens desse artigo constituem parte do acervo do CPDOC e tem os créditos devidamente atribuídos.

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2 COMENTÁRIOS

1 artemiza - manausde
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29/10/2007 22:22:14


2 Marcela R. de C. - São Paulo
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