Ouvi pessoas dizendo que a Bienal do Livro de São Paulo
já não é mais a mesma, que o
número de visitantes cai a cada biênio, que
não vale mais a pena ir à Bienal, já
que hoje é perfeitamente possível comprar livros
pela internet sem ter que pagar ingresso, enfrentar filas, lutar por
uma vaga de estacionamento etc. Será?
Na sexta-feira, eu estava vivendo este dilema: vou ou não
à Bienal? Disse à minha esposa: "Acho que
não vou à Bienal, vou esperar você
chegar e ficaremos juntos em casa". Ela disse: "Eu sei que
você quer ir. Eu tenho que ir ao meu estágio,
enquanto isso, você vai à Bienal e depois a gente
se reencontra. Que acha?". Minha esposa... minha musa-esposa. Ela
consegue me ler por completo. Sabe as minhas entrelinhas.
Então ficou assim. Ela pegou a moto, me deixou na Bienal a
caminho do estágio...
E o que fiz sexta à noite na Bienal? Participei do
lançamento da antologia em homenagem a Jorge Amado,
organizado pelo escritor Valdeck de Almeida de Jesus, e que
contém uma crônica minha. Lá conheci
várias pessoas que também tinham um texto
publicado naquele livro.
Alguns vieram até de Salvador para participar do
lançamento! E dentre essas pessoas estava a Dona Neva de
Oliveira, uma simpática senhora, que na felicidade de seus
mais de 80 anos, estava adorando, como uma criança, o
lançamento de seu texto na Bienal.
Abracei-a e depois corri para o lançamento do livro
"Águas de Clausura", obra premiada do meu amigo e escritor
Edelson Nagues, que veio de Brasília especialmente para o
evento. Foi a primeira vez que o abracei sem ser na forma virtual do
"um abraço" depois de um e-mail ou recado de rede social ou
da comunidade "Concursos Literários". Bem, ao final da
noite, minha esposa me buscou. Ela sorriu pra mim. Por quê?
Porque ela tem a mania de ficar feliz quando eu estou feliz.
No dia seguinte, voltei à Bienal para encontrar mais amigos.
Conheci outra amiga virtual, a escritora Amanda Reznor, que
está lançando o livro Delenda. Lá
estávamos eu, o Edelson, a Amanda e pouco mais de cinco
escritores em volta de uma mesa (dentre eles Janaína Rico,
Rodolpho Wraider e Luciane Rangel) para o sorteio de livros agitado
pela Internet, na qual cerca de 300 pessoas confirmaram
participação.
Cadê o pessoal? Os trezentos? Pulverizados pela Internet!
Sorte do Edelson, que teve mais chance de ser sorteado e de acabar
premiado com o livro "Delenda". Abraços.
Abraços. Onde você consegue um abraço
online? Livro para muitos é apenas um objeto. Para outros
é pura emoção. Para os primeiros, tudo
bem comprar livro só pela Internet. Não faz
diferença, é o mesmo que comprar um
liquidificador. Mas para os demais que sabem que um abraço
real não se encontra na Internet, vale a pena ir
à Bienal.
Na Bienal, fui ao Salão de Ideias e pude "sentir" a
literatura do grande escritor Milton Hatoum. Pude ouvi-lo, apertar sua
mão, rir de seu bom humor, admirar o seu talento ao vivo.
Sempre imaginava grandes escritores como algo meio irreal. Por que
não dizer, virtual? Mas sabem de uma coisa? Escritores
existem! São de carne e osso e alguns como o Milton
têm alma também! Até o Ziraldo
é real! Eu o vi. E centenas de escritores também,
como Edelson, Amanda e eu, que apesar de não sermos
tão conhecidos, também temos a felicidade de
escrever e existir.
Todos sabem que a literatura de Hatoum é primorosa. Agora eu
sei que a de Edelson também. Sorte de quem lê, mas
tem mais sorte quem pode compartilhar alguns momentos ao seu lado.
Enfim, vou finalizar contando uma coisa muito bacana que aconteceu
comigo no dia seguinte, isto é, no Dia dos Pais.
Meu pai sempre havia sido contra essa minha ideia de ser escritor.
Claro que entendo agora que o preocupava a questão
financeira. Mas, quando fui dar um abraço pelo Dia dos Pais,
ele me mostrou uma prateleira que ele tinha feito. Lá
estavam vários livros em japonês.
Então, ele apontou um cantinho, dizendo assim: "Aqui
é a prateleira reservada para os livros de André
Kondo". E lá estavam os meus livros publicados, todos que
ele havia adquirido nas festas de lançamento...
Preciso dizer mais? Vocês imaginam pais comprando os livros
dos filhos pela Internet? Sem aquele ar orgulhoso de "esse é
meu filho"? Sem um... abraço? Enfim, a vida pode ser mais
fácil pela Internet, mas é fora dela, nas bienais
da vida, que ela realmente acontece.
André
Kondo, 37, é
escritor, autor
dos livros "Além do Horizonte" e dos
premiados
"Amor sem Fronteiras", "Contos do Sol Nascente" e "Cem pequenas poesias
do
dia a
dia", escreve no blog www.andrekondo.blogspot.com.