Crescer não é fácil, não
é? Crescer e ficar com ares de criança
é mais difícil ainda.
Não falo daqueles adultos infantiloides que se fantasiam de
crianças que não existem e falam estranhamente.
Falo da poesia nas relações, como as que vivem as
crianças. Eu sempre tento enxergar as coisas, senti-las como
quando era pequeno. O mundo era repleto de surpresas.
Surpresas que nos faltam hoje em dia. Surpresas que transformam
diariamente as relações.
Coisa boa é sempre descobrir no mundo, nas pessoas e nas
histórias e geografias que nos cercam coisas novas
possíveis de serem reinventadas... com olhares, gestos,
toques, conversas, músicas, movimentos...
Ter um olhar de criança, um olhar que se surpreende,
é poder contar com a ajuda dos outros.
É saber que os outros têm um papel fundamental em
nossas vidas. É saber que os outros se flexibilizam por
você, que podem entender suas aflições,
entender o que sente e lhe ajudar sempre.
Mostrar para as crianças que a surpresa é a
melhor forma de espantar a resignação, a
robotização do pensar e a
docilização dos corpos, de ensinar a caminhar por
rotas de fuga, linhas de escape e fissuras que podem nos levar para um
campo mais liberado das relações e mais leve
daqueles impostos pelas rotinas dos dias atuais.
Bem, criança adora deslocar o outro. Coisa que professor
deveria fazer sempre. Deslocar significa fazer com que o outro encontre
seus argumentos e reconstrua o lugar que estava.
Criança desloca e, com isso, cresce! Deslocamento provoca
crescimento.
Sempre devemos pensar, enquanto familiares e professores, que tipo de
deslocamento provocamos nas crianças. Penso sempre na figura
de um nômade, de um cigano, de um itinerante.
Alguém que caminha, que se move, que anda em bando, que faz
leituras das culturas, que as acomoda por um tempo e depois vai embora,
levando somente o que interessa, o que é possível
se tornar experiência sensível de vida.
Devemos pensar se fazemos o pensamento das crianças
caminharem, dançarem.
Pensamentos que vão para além dos
territórios marcados das didáticas educacionais
tão pregadas pelos manuais de
educação, pelos receituários da
literatura infantil e dos apostilados embrutecedores que pipocam nas
escolas país adentro.
Temos de pensar sempre nas respostas que oferecemos aos outros,
às crianças.
Respostas que só servem para anular a possibilidade de elas
continuarem perguntando coisas, de continuarem a se surpreender com as
descobertas.
Imaginem quantas descobertas um adulto pode fazer durante um dia!
Mas nem nos lembramos do que descobrimos, pois, ao descobrir algo,
imediatamente o colocamos à prova, checamos,
atribuímos-lhe utilidades e o colocamos na fragmentada
caixinha do pensamento.
Crianças não fazem isso, tudo o que descobrem
pode virar expressão, canção,
brincadeira, movimento, poesia...
Deslocar e se surpreender! Coisa que depende daquele que provoca...
Professor é provocador!
Alguém que não deve ter respostas para tudo deve
sair do campo da mediação, que
pressupõe respostas e condutas corretas.
Um professor-provocador seria aquele que aparece, lança uma
ideia, surpreende aquele que escuta e sai de cena para que o outro
possa criar formas próprias de se relacionar com o mundo.
Como as provocadoras-crianças! Criança faz
pergunta e nos deixa de queixo caído, age de forma que
não esperamos, foge a todo custo das
categorizações médicas e escolares.
Escapa dos discursos de infância apregoados pelos tratados de
uma pedagogia pobre de cultura.
Ver o mundo com olhares de criança nada mais é do
que continuar a ver o mundo como se fosse a primeira vez, sem colocar
as coisas em seus devidos lugares, pois estes não existem.
Sem essa necessidade por classificar e julgar que os adultos carregam
consigo e os faz pensar que colocar um terno é mais
importante do que rolar um bambolê por aí.
É justamente por conta da falta de habilidade de criar
surpresas e deslocamentos que pais e mães esperam tanto de
suas filhas e filhos e, infelizmente, se frustram tanto!
Sem contar com as escolas, que também esperam de seus
estudantes. Esse tipo de relação de expectativa
é o que faz com que meninos e meninas se sintam
tão pressionados, tão cobrados e tão
sufocados!
Vamos tentar ver o mundo com olhos de surpresa e com o pensamento
andando por relações. Investir nesse pensamento
é acreditar que a educação vale para
alguma coisa.
Acreditar nisso é a chance que damos aos nossos parceiros da
vida para que se tornem mais próximos de nós.
Começar com o pensamento que habita as
microrrelações, as pequenas
relações.
Transformar o que pensamos é enxergar o todo diferente em
vez de “mudar o mundo”, seria “mudar um
mundo”, um de cada vez.
Recriar as relações e se abrir para a novidade do
outro. É a nossa chance de criar um mundo com mais
possibilidades de interação!
Marcelo
Cunha Bueno
é
Coordenador Pedagógico da Escola Estilo de Aprender.
Contato: marcelo@estilodeaprender.com.br. Blog:
http://marcelocunhabueno.blogspot.com.br/