Temos observado um crescimento súbito do MMA (Mixed Martial
Arts - Artes Marciais Mistas, em português). Uma verdadeira
coqueluche entre os adolescentes e adultos (incluindo mulheres).
A prática da modalidade toma conta das academias, que
oferecem o ensino como chamariz, angariando cada vez mais adeptos. A
moda do MMA está direcionada ao UFC (Ultimate Fighter
Championship), evento que promove a modalidade das artes mistas.
Dirigido por Dana White, o evento é transmitido para 36
países e possui pretensões de crescer ainda mais.
Atualmente, o valor de mercado do Ultimate gira em torno de US$ 1
bilhão. Ídolos como Anderson Silva,
Júnior Cigano dos Santos e José Aldo,
só para citar alguns, são os três
brasileiros que hoje detêm os cinturões de
campeão de suas categorias.
Com isso, a modalidade passa a tomar proporções
gigantescas no país do futebol. Vôlei,
tênis, natação ou o automobilismo
já não competem com o UFC, e olha que
são esportes que possuem destaques internacionais, bem como
esportistas em evidência. As artes marciais mistas invadem
esse espaço e, pretenciosamente, se opõem ao
futebol.
Porém, por que gostamos tanto de lutas? Uma coisa
é unânime. Quando discutimos o tema, mais do que a
luta, o que motiva o fascínio das pessoas é a
violência, ou isso é o que sustenta tais
práticas. E não estou fazendo nenhum ataque ao
MMA; são constatações.
Socar, chutar, estrangular o adversário seriam formas de
exteriorar uma agressividade latente e que é manifestada por
algum propósito. Seja por uma
provocação, ideal de supremacia,
frustração interna, o ato é sustentado
por uma questão de poder, e sejamos francos, nenhum golpe
fraco derruba o adversário. É
necessário um golpe violento.
Vale lembrar que o homem luta desde sua existência. Os
embates homéricos entre os gladiadores no Coliseu
é um belo exemplo de diversão e
violência. Essa referência fez sentido para
Galvão Bueno, que, na primeira transmissão feita
pela Rede Globo num evento do UFC, denominou os lutadores como os
“gladiadores do novo milênio”.
Guerrear faz parte da cultura do homem, que para conquistar terras
valia-se das guerras. Houve uma evolução do
Coliseu para os estádios, alguns conhecidos como arenas. A
questão é que a violência é
um propósito na modalidade do MMA, embora os lutadores
não admitam isso, bem como são violentas,
também, as brigas das torcidas uniformizadas.
Em defesa ao MMA, o discurso dos lutadores é que
é um esporte que vem quebrando tabus, pois desmistifica a
ideia de algo violento. Existem regras e respeito entre os atletas.
Acho que são justificativas inseguras.
Admito que pode ser considerado esporte justamente porque estipularam
regras, mas quem não considera como modalidade esportiva,
como o jornalista Juca Kfouri, tudo bem também. A
questão ainda não é esta.
O cerne de tudo é reconhecer a violência, porque a
justificativa dos lutadores é baseada no medo de
não serem reconhecidos como esportistas dignos e
trabalhadores. Lógico que são, e mais ainda,
são ídolos. As pessoas que gostam de lutas, mesmo
que não pratiquem, identificam-se com o lutador.
Existe uma projeção da vida do
indivíduo na atuação do atleta, e isso
basta para assegurar o papel de importância do lutador. Somos
um país cada vez mais carente de ídolos, e o UFC
proporcionou o surgimento dos heróis.
Existe, portanto, uma necessidade em se reconhecer na imagem do
herói, uma vez que, naquele momento, durante aquele embate,
desfrutamos todas as sensações e sentimentos
reprimidos. Da raiva à euforia. Permitimo-nos aos
extravasamentos porque somos autorizados a isso através do
evento, que sustenta também, as pompas do glamour e do
espetáculo.
Bater na cara de seu oponente a ponto de deixá-lo sangrando,
enforcá-lo com o intuito de finalizá-lo, termo
próprio do MMA, ou seja, asfixiá-lo ou desferir
uma cotovelada são golpes contundentes com
propósitos violentos.
No antigo Pride, evento que foi comprado pelo UFC, não era
permitido a cotovelada, todavia, podia pisar na cara do oponente,
estando ele no chão. Isso não é
violento?
O cumprimento ao final da luta, por boa parte dos lutadores, passa a
impressão do respeito e da rendenção
entre o vencido e o vencedor. Conceitos como ética,
equilíbrio emocional, amizade e companheirismo
são ideais das artes marciais, referências e
ensinamentos que deveriam ser de qualquer esporte.
Não trabalhar esses ensinamentos dá margem a
distorções, pois as
identificações vinculam-se através do
afeto e, como citei anteriormente, uma pessoa frustrada pode
espelhar-se na luta, dando vazão a sua agressividade.
Daí, muitos adolescentes vão brigar sentindo-se
grandes lutadores de muay thay ou jiu jitsu.
Breno Rosostolato é professor de Psicologia da FASM
(Faculdade Santa Marcelina).