Depoimentos
apresentados no curso de Inclusão da Criança com
Deficiência Visual, tutoria de Ivani da Silva
Bonfim, Graduada em Pedagogia, com Cursos do Código de
Braile, Massoterapeuta com ênfase na
reabilitação e manutenção
de Crianças de Múltiplas Deficiências.
Depoimento 1: Elza Aparecida
Bottér Pagliari
“Ser mãe é maravilhoso! Ser
mãe de gêmeos é divino!” Tive
minhas primeiras filhas e eram gêmeas, a Aparecida Donizete e
a Fátima Donizete.
A felicidade foi tanta que logo pensamos
que para o futuro poderíamos ter dois garotos...
O
tempo passou e chegou à realidade: A Fátima foi a
última a nascer e a primeira a perder a visão em
tenra idade.
Aos dois anos e meio, foi constatado que ela tinha
retinoblastoma, foram feitos todos os tratamentos
disponíveis na época, mas, não teve
solução, ela perdeu totalmente a visão
aos quatro anos.
Entrei em desespero, nunca havia tido contato com nenhuma
deficiência.
Fiz promessa para Santa Luzia para que a
Aparecida não tivesse o mesmo problema, pois são
gêmeas da mesma placenta.
Mas, ao pedir que fosse consultada,
ela já tinha a visão do olho direito perdida.
Os
médicos explicaram que se ela suportasse cinco anos de
tratamento no olho esquerdo, ficaria com 20% de visão para
sempre.
Porém, antes de completar os cinco anos, ela perdeu
totalmente a visão.
Minha angústia e meu
desespero foram tantos que evitei ter filhos por anos, com medo que
acontecesse o mesmo com eles.
Mas Deus é maravilhoso e me
mandou um tesouro que a chamei de Ana Maria, que não tem
nenhuma deficiência e é a minha alegria
também.
Em relação às gêmeas, pedi
muita força e sabedoria para a mãe de Jesus e,
seguindo a minha intuição, as eduquei como
crianças (normais) a ponto de parentes e amigos
também tratá-las com naturalidade.
Com o tempo,
percebi que as mãos eram os instrumentos
necessários para elas explorarem o mundo.
Por isso, as
colocava ao alcance de plantas, animais e tudo o que estivesse em
contato, informando as cores e os pequenos detalhes.
Os médicos diziam que, para o futuro, elas poderiam voltar a
ver porque a medicina estava avançando cada vez mais, mas,
enquanto isso, seria bom que elas estudassem em um colégio
especial para cegos, “Instituto de Cegos Padre
Chico” no Ipiranga São Paulo SP.
Nessa época, morávamos em Barão de
Lucena no Paraná, mais de dezesseis horas de viajem de trem
e, por isso, mais uma vez pedi forças a Deus para que me
inspirasse na decisão:.
Deixá-las conosco para
sempre ou empurrá-las para fora do ninho como fazem as
águias com os seus filhotes, para que aprendessem a ser
“gente” estudando, trabalhando e sendo
independentes e, com o coração partido, meu
marido e eu deixamos que elas ficassem internas dos oito aos dezesseis
anos no colégio Padre Chico.
Foi muito difícil a jornada, tínhamos que
participar das reuniões pelo menos duas vezes ao ano.
Nas
duas férias anuais, ia buscá-las e
trazê-las. A situação financeira
já tinha sido excelente, mas tínhamos gasto
até o impossível para tratá-las, mas
valeu a pena.
Certo dia, recebi uma carta pedindo
autorização para elas aprenderem a andar com
bengala (locomoção).
Meu
coração disparou, entrei em desespero, chorei,
“como deixar um cego andar sozinho?”.
E,
deixando mais uma vez que o céu me respondesse, autorizei e
foi assim que elas estudaram, estão trabalhando,
são independentes e hoje, há quatro anos, cuidam
de mim, pois sofri AVC...
Aqui fica a minha mensagem:
“Em primeiro lugar, confie sempre em Deus, trate tudo com
simplicidade e naturalidade, confiando em sua
intuição, deixe que a coragem cresça e
boa sorte!”
Depoimento
2:
Aparecida Donizete Pagliari
Perdi totalmente a visão aos nove anos, mas aos oito eu
já estudava no Instituto de Cegos “Padre
Chico”, no Ipiranga São Paulo.
Os livros eram
todos em Braile, tínhamos materiais pedagógicos
ao nosso dispor e, uma vez por semana, tínhamos aula
artística (modelagem, dança folclórica
e flauta).
A formação religiosa tinha raiz no
catolicismo, fazia parte do currículo escolar, duas vezes
por semana, à tarde, ginástica e aula de
natação.
À tarde, também
aprendíamos pregar botão, coser, optava pelo
crochê, tricô, macramê ou outro
artesanato: pulseira e/ou colares com miçangas ou outro
trabalho artístico com o nome rabo de gato etc.
Também eram opcionais as aulas de música:
violão, acordeom e piano (quando tínhamos
professor).
Aprender e estudar sempre foram bons, o triste
era a distância que existia entre minha família e
eu, pois ela morava no Paraná.
Também passei por
alguns aborrecimentos com colegas, professores e
responsáveis que eu tinha que “engolir”
sem ter o colo de mãe que me confortasse, mas,
graças às forças e o apoio de meus
pais, superei e hoje agradeço muito a eles.
No Instituto Padre Chico, estudei até a 8ª
série. Em 1981, comecei a trabalhar no Instituto de
Ortopedia e traumatologia do hospital das Clínicas.
Claro
que eu enfrentei muitos preconceitos e
discriminações.
Certa vez, fui até o
Instituto do Coração porque havia vagas para
trabalho na área de raio-X e me responderam que
não me dariam esse emprego por duas razões:
Porque eu era mulher e porque eu era cega.
Mas não desisti,
tanto que trabalhei 11 anos na ortopedia (também na
área dos raios-X).
Em 1992, prestei concurso na área municipal onde trabalho
até hoje como integrante da defesa Civil de São
Paulo, SP.
Em 1983, retornei meus estudos à noite, fazendo o
2º grau (Ensino Médio) no Supletivo Santa
Inês, foi uma fase maravilhosa em que fiz muitos amigos!
Eu
não tinha os livros em Braile e não fazia
gráficos porque não aprendi, mas podia contar com
a boa vontade dos professores e colegas, que viam minha vontade de
aprender e me auxiliavam.
Enfrentei críticas vindas do colégio Padre Chico
por eu estudar em escola particular, mas não sei se eles
sabiam que as escolas públicas que procurei não
me aceitaram e sequer tiveram vontade de tentar.
Para resumir, fiz tudo
o que queria: teatro, artesanato, curso de pintura em que aprendi a
reconhecer o vermelho em tinta diluída como a cor mais
quente, seguida pelo marrom que era menos quente, o azul era uma
temperatura agradável, enquanto o branco era frio.
Já publiquei dois livros, um em 1989 (romance
infanto-juvenil “Além Do Azul”) e o
outro em 1995 (poemas “Meus Momentos”).
Pretendo
publicar um livro de histórias infantis e atualmente estou
trabalhando em um livro de vivências e relatos pessoais.
Sou formada em massoterapia e fiz dois anos de curso livre de
psicanálise que pretendo exercer futuramente, sou raquiana
também.
Tive a oportunidade de estudar durante cinco anos o
idioma espanhol, graças à confiabilidade da
coordenadora Marisol da escola FISK do Campo Limpo São
Paulo, SP.
Meu primeiro livro minha irmã Ana ditou
para mim e os demais a professora Norma gravava para depois eu copiar,
agradeço a todas.
Trabalhei dois anos no FISK como professora de
conversação e um ano como professora para
deficientes visuais.
Agradeço a oportunidade que a
Futurekids do Brasil me ofereceu, permitindo que eu trabalhasse como
massoterapeuta e professora de espanhol dos funcionários.
Hoje, faz um ano e meio que trabalho na Planeta
Educação na área administrativa e
tenho muitos outros sonhos para realizar, isso além de canto
e desenvolver as aulas de acordeom que tive de interromper para cuidar
de minha mãe que sofreu AVC há quatro anos.
A
falta de visão não é um problema,
desde que tenhamos oportunidades e vontade de superá-la
porque é apenas uma limitação.
Depoimento
3:
Fátima Donizete Pagliari
Sou Fátima Donizete Pagliari. Perdi totalmente a
visão aos cinco anos, meus pais lutaram para que nada disso
acontecesse, mas não teve jeito.
Desde
criança, sempre fui muito ativa e alegre, tendo bom
relacionamento com meus irmãos, primos e colegas.
A falta de
visão nunca me atrapalhou em nada e a forma como meus pais
me educaram fez com que todos me tratassem com naturalidade.
Inclusive,
até mesmo o padrinho Adelino, que distribuía
fósforo de cor para todas as crianças nas festas
juninas, também se lembrava de mim.
Meu irmão por parte do pai me explicava como era uma estrela
desenhando fortemente na areia, fazendo com que eu as sentisse com os
dedos e me dizia que a luz que o fósforo emitia era quente
como o sol.
E assim cresci rodeada por todos, com muito carinho e
respeito.
Aos oito anos, entrei para estudar em um colégio
de freira, o Instituto de Cego Padre Chico, no qual fiquei
até os dezesseis anos, tendo concluído
lá o Ensino Fundamental.
Minha mãe sempre me ensinou os deveres de uma
criança para sua casa, seus animais de
estimação e seus brinquedos e, por isso, desde
cedo já lavava pratos, estendia minha cama, enfim, zelava
pelo o que era meu.
Aos dez anos, insisti para minha mãe me
ensinar a fazer café, arroz, passar roupa com ferro de brasa
etc. e, depois, o colégio ampliou tudo isso.
Na 7ª série, eles nos ensinavam a cuidar de
bebês usando bonecas, mas, antes disso em 1974, quando o
colégio dispensou os alunos que moravam fora de
São Paulo por causa de um surto de meningite, minha
irmã e eu tivemos a oportunidade de cuidar de nossa
irmãzinha de três meses.
Antes de minha
mãe ir para a roça, ela colocava o
relógio para despertar para que nós
pudéssemos chamá-la para vir cuidar da pequena,
mas um dia achamos que era desnecessário e, enquanto eu
fazia a mamadeira, minha irmã dava banho e trocava a roupa
da bebê.
Foi assim que minha mãe percebeu a
distância do horário e veio para casa sem ser
chamada e me surpreendeu dando mamadeira para a bebê. Ela
quase teve um colapso, mas depois consentiu.
Em 1981, comecei a trabalhar na área de radiologia na
ortopedia do Hospital das Clínicas.
Em 1983, retornei aos
estudos e concluí o Ensino Médio, hoje tenho o
ensino superior incompleto por dificuldades financeiras.
Em 1993,
prestei concurso para área municipal em que trabalho
até hoje na área de radiologia do hospital
Fernando Rocha Pires (Campo Limpo – SP).
Estudei oito anos o idioma inglês, mas tive dificuldades em
algumas escolas que tinham receio de me aceitar como aluna, mas, por
insistência, acabou dando certo.
Agradeço
à senhora Marisol da escola Fisk Campo Limpo SP pela
oportunidade de concluir o curso de inglês.
Claro que para
chegar onde estou enfrentei preconceitos, críticas e
discriminações, mas não desisto nunca
porque acredito em Deus e na inteligência que Ele me deu.
Agradeço imensamente à Futurekids do Brasil pela
oportunidade concedida para trabalhar como professora de
inglês durante cinco anos e à Planeta
Educação onde continuei como professora.
Dou graças a Deus por tudo o que minha mãe me
ensinou e por tudo o que a vida me trouxe de aprendizagem.
Hoje,
trabalho fora, cuido de casa, cozinho muito bem e cuido, juntamente com
minhas irmãs, de minha mãe que sofreu AVC
há quatro anos.
Pior do que a falta de visão
é a ignorância humana de negar oportunidades a
quem quer que seja só por pensar que existe incapacidade nas
pessoas.
o se depararem com deficientes ou com pessoas
“diferentes”, não se assustem, tratem a
situação com naturalidade e acreditem na
intuição.