Aprender com as Diferenças
 

Relatos e Vivências de uma Mãe e suas Duas Filhas - 21/11/2011
Elza Aparecida Bottér Pagliari (mãe), Aparecida Donizete Pagliari (filha) e Fátima Donizete Pagliari (filha)

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Depoimentos apresentados no curso de Inclusão da Criança com Deficiência Visual, tutoria de Ivani da Silva Bonfim, Graduada em Pedagogia, com Cursos do Código de Braile, Massoterapeuta com ênfase na reabilitação e manutenção de Crianças de Múltiplas Deficiências.

Depoimento 1: Elza Aparecida Bottér Pagliari

“Ser mãe é maravilhoso! Ser mãe de gêmeos é divino!” Tive minhas primeiras filhas e eram gêmeas, a Aparecida Donizete e a Fátima Donizete.

A felicidade foi tanta que logo pensamos que para o futuro poderíamos ter dois garotos...

O tempo passou e chegou à realidade: A Fátima foi a última a nascer e a primeira a perder a visão em tenra idade.

Aos dois anos e meio, foi constatado que ela tinha retinoblastoma, foram feitos todos os tratamentos disponíveis na época, mas, não teve solução, ela perdeu totalmente a visão aos quatro anos.

Entrei em desespero, nunca havia tido contato com nenhuma deficiência.

Fiz promessa para Santa Luzia para que a Aparecida não tivesse o mesmo problema, pois são gêmeas da mesma placenta.

Mas, ao pedir que fosse consultada, ela já tinha a visão do olho direito perdida.

Os médicos explicaram que se ela suportasse cinco anos de tratamento no olho esquerdo, ficaria com 20% de visão para sempre.

Porém, antes de completar os cinco anos, ela perdeu totalmente a visão.

Minha angústia e meu desespero foram tantos que evitei ter filhos por anos, com medo que acontecesse o mesmo com eles.

Mas Deus é maravilhoso e me mandou um tesouro que a chamei de Ana Maria, que não tem nenhuma deficiência e é a minha alegria também.

Em relação às gêmeas, pedi muita força e sabedoria para a mãe de Jesus e, seguindo a minha intuição, as eduquei como crianças (normais) a ponto de parentes e amigos também tratá-las com naturalidade.

Com o tempo, percebi que as mãos eram os instrumentos necessários para elas explorarem o mundo.

Por isso, as colocava ao alcance de plantas, animais e tudo o que estivesse em contato, informando as cores e os pequenos detalhes.

Os médicos diziam que, para o futuro, elas poderiam voltar a ver porque a medicina estava avançando cada vez mais, mas, enquanto isso, seria bom que elas estudassem em um colégio especial para cegos, “Instituto de Cegos Padre Chico” no Ipiranga São Paulo SP.

Nessa época, morávamos em Barão de Lucena no Paraná, mais de dezesseis horas de viajem de trem e, por isso, mais uma vez pedi forças a Deus para que me inspirasse na decisão:.

Deixá-las conosco para sempre ou empurrá-las para fora do ninho como fazem as águias com os seus filhotes, para que aprendessem a ser “gente” estudando, trabalhando e sendo independentes e, com o coração partido, meu marido e eu deixamos que elas ficassem internas dos oito aos dezesseis anos no colégio Padre Chico.

Foi muito difícil a jornada, tínhamos que participar das reuniões pelo menos duas vezes ao ano.

Nas duas férias anuais, ia buscá-las e trazê-las. A situação financeira já tinha sido excelente, mas tínhamos gasto até o impossível para tratá-las, mas valeu a pena.

Certo dia, recebi uma carta pedindo autorização para elas aprenderem a andar com bengala (locomoção).

Meu coração disparou, entrei em desespero, chorei, “como deixar um cego andar sozinho?”.

E, deixando mais uma vez que o céu me respondesse, autorizei e foi assim que elas estudaram, estão trabalhando, são independentes e hoje, há quatro anos, cuidam de mim, pois sofri AVC...

Aqui fica a minha mensagem:

“Em primeiro lugar, confie sempre em Deus, trate tudo com simplicidade e naturalidade, confiando em sua intuição, deixe que a coragem cresça e boa sorte!”

Depoimento 2: Aparecida Donizete Pagliari
Perdi totalmente a visão aos nove anos, mas aos oito eu já estudava no Instituto de Cegos “Padre Chico”, no Ipiranga São Paulo.

Os livros eram todos em Braile, tínhamos materiais pedagógicos ao nosso dispor e, uma vez por semana, tínhamos aula artística (modelagem, dança folclórica e flauta).

A formação religiosa tinha raiz no catolicismo, fazia parte do currículo escolar, duas vezes por semana, à tarde, ginástica e aula de natação.

À tarde, também aprendíamos pregar botão, coser, optava pelo crochê, tricô, macramê ou outro artesanato: pulseira e/ou colares com miçangas ou outro trabalho artístico com o nome rabo de gato etc.

Também eram opcionais as aulas de música: violão, acordeom e piano (quando tínhamos professor).

Aprender e estudar sempre foram bons, o triste era a distância que existia entre minha família e eu, pois ela morava no Paraná.

Também passei por alguns aborrecimentos com colegas, professores e responsáveis que eu tinha que “engolir” sem ter o colo de mãe que me confortasse, mas, graças às forças e o apoio de meus pais, superei e hoje agradeço muito a eles.

No Instituto Padre Chico, estudei até a 8ª série. Em 1981, comecei a trabalhar no Instituto de Ortopedia e traumatologia do hospital das Clínicas.

Claro que eu enfrentei muitos preconceitos e discriminações.

Certa vez, fui até o Instituto do Coração porque havia vagas para trabalho na área de raio-X e me responderam que não me dariam esse emprego por duas razões: Porque eu era mulher e porque eu era cega.

Mas não desisti, tanto que trabalhei 11 anos na ortopedia (também na área dos raios-X).

Em 1992, prestei concurso na área municipal onde trabalho até hoje como integrante da defesa Civil de São Paulo, SP.

Em 1983, retornei meus estudos à noite, fazendo o 2º grau (Ensino Médio) no Supletivo Santa Inês, foi uma fase maravilhosa em que fiz muitos amigos!

Eu não tinha os livros em Braile e não fazia gráficos porque não aprendi, mas podia contar com a boa vontade dos professores e colegas, que viam minha vontade de aprender e me auxiliavam.

Enfrentei críticas vindas do colégio Padre Chico por eu estudar em escola particular, mas não sei se eles sabiam que as escolas públicas que procurei não me aceitaram e sequer tiveram vontade de tentar.

Para resumir, fiz tudo o que queria: teatro, artesanato, curso de pintura em que aprendi a reconhecer o vermelho em tinta diluída como a cor mais quente, seguida pelo marrom que era menos quente, o azul era uma temperatura agradável, enquanto o branco era frio.

Já publiquei dois livros, um em 1989 (romance infanto-juvenil “Além Do Azul”) e o outro em 1995 (poemas “Meus Momentos”).

Pretendo publicar um livro de histórias infantis e atualmente estou trabalhando em um livro de vivências e relatos pessoais.

Sou formada em massoterapia e fiz dois anos de curso livre de psicanálise que pretendo exercer futuramente, sou raquiana também.

Tive a oportunidade de estudar durante cinco anos o idioma espanhol, graças à confiabilidade da coordenadora Marisol da escola FISK do Campo Limpo São Paulo, SP.

Meu primeiro livro minha irmã Ana ditou para mim e os demais a professora Norma gravava para depois eu copiar, agradeço a todas.

Trabalhei dois anos no FISK como professora de conversação e um ano como professora para deficientes visuais.

Agradeço a oportunidade que a Futurekids do Brasil me ofereceu, permitindo que eu trabalhasse como massoterapeuta e professora de espanhol dos funcionários.

Hoje, faz um ano e meio que trabalho na Planeta Educação na área administrativa e tenho muitos outros sonhos para realizar, isso além de canto e desenvolver as aulas de acordeom que tive de interromper para cuidar de minha mãe que sofreu AVC há quatro anos.

A falta de visão não é um problema, desde que tenhamos oportunidades e vontade de superá-la porque é apenas uma limitação.

Depoimento 3: Fátima Donizete Pagliari
Sou Fátima Donizete Pagliari. Perdi totalmente a visão aos cinco anos, meus pais lutaram para que nada disso acontecesse, mas não teve jeito.

Desde criança, sempre fui muito ativa e alegre, tendo bom relacionamento com meus irmãos, primos e colegas.

A falta de visão nunca me atrapalhou em nada e a forma como meus pais me educaram fez com que todos me tratassem com naturalidade.

Inclusive, até mesmo o padrinho Adelino, que distribuía fósforo de cor para todas as crianças nas festas juninas, também se lembrava de mim.

Meu irmão por parte do pai me explicava como era uma estrela desenhando fortemente na areia, fazendo com que eu as sentisse com os dedos e me dizia que a luz que o fósforo emitia era quente como o sol.

E assim cresci rodeada por todos, com muito carinho e respeito.

Aos oito anos, entrei para estudar em um colégio de freira, o Instituto de Cego Padre Chico, no qual fiquei até os dezesseis anos, tendo concluído lá o Ensino Fundamental.

Minha mãe sempre me ensinou os deveres de uma criança para sua casa, seus animais de estimação e seus brinquedos e, por isso, desde cedo já lavava pratos, estendia minha cama, enfim, zelava pelo o que era meu.

Aos dez anos, insisti para minha mãe me ensinar a fazer café, arroz, passar roupa com ferro de brasa etc. e, depois, o colégio ampliou tudo isso.

Na 7ª série, eles nos ensinavam a cuidar de bebês usando bonecas, mas, antes disso em 1974, quando o colégio dispensou os alunos que moravam fora de São Paulo por causa de um surto de meningite, minha irmã e eu tivemos a oportunidade de cuidar de nossa irmãzinha de três meses.

Antes de minha mãe ir para a roça, ela colocava o relógio para despertar para que nós pudéssemos chamá-la para vir cuidar da pequena, mas um dia achamos que era desnecessário e, enquanto eu fazia a mamadeira, minha irmã dava banho e trocava a roupa da bebê.

Foi assim que minha mãe percebeu a distância do horário e veio para casa sem ser chamada e me surpreendeu dando mamadeira para a bebê. Ela quase teve um colapso, mas depois consentiu.

Em 1981, comecei a trabalhar na área de radiologia na ortopedia do Hospital das Clínicas.

Em 1983, retornei aos estudos e concluí o Ensino Médio, hoje tenho o ensino superior incompleto por dificuldades financeiras.

Em 1993, prestei concurso para área municipal em que trabalho até hoje na área de radiologia do hospital Fernando Rocha Pires (Campo Limpo – SP).

Estudei oito anos o idioma inglês, mas tive dificuldades em algumas escolas que tinham receio de me aceitar como aluna, mas, por insistência, acabou dando certo.

Agradeço à senhora Marisol da escola Fisk Campo Limpo SP pela oportunidade de concluir o curso de inglês.

Claro que para chegar onde estou enfrentei preconceitos, críticas e discriminações, mas não desisto nunca porque acredito em Deus e na inteligência que Ele me deu.

Agradeço imensamente à Futurekids do Brasil pela oportunidade concedida para trabalhar como professora de inglês durante cinco anos e à Planeta Educação onde continuei como professora.

Dou graças a Deus por tudo o que minha mãe me ensinou e por tudo o que a vida me trouxe de aprendizagem.

Hoje, trabalho fora, cuido de casa, cozinho muito bem e cuido, juntamente com minhas irmãs, de minha mãe que sofreu AVC há quatro anos.

Pior do que a falta de visão é a ignorância humana de negar oportunidades a quem quer que seja só por pensar que existe incapacidade nas pessoas.

o se depararem com deficientes ou com pessoas “diferentes”, não se assustem, tratem a situação com naturalidade e acreditem na intuição.

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2 COMENTÁRIOS

1 Renato - Guarulhos SP
Meu filho tem 4 anos e é deficiente visual DSO. Depois de ler a matéria, fiquei entusiasmado com a oportunidade dele aprender inglês, ainda criança e, quem sabe, iniciar ainda esse ano. Por gentileza, vocês poderiam me indicar um caminho a seguir, um telefone para ligar ou um site ou email?
01/02/2013 23:16:52


2 laine - piracicabasp
infelismente muitos nao conhecem este cancer precisamos divulgar mais meu sobrinho perdeu uma da sua visao hoje me emprenho em divulgaçao do cancer meu email laine.samblas@ig.com.br
05/01/2013 19:42:32


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