Eduardo
Sabbag é advogado, mas dedica grande parte da sua vida ao
ensino. Leciona Língua Portuguesa e Direito
Tributário em cursos preparatórios para
concursos.
Atualmente, leciona, em média, seis a sete horas
por dia, seis dias por semana. Já foram mais de 15 mil
horas-aula, para mais de 100 mil alunos em todo o Brasil.
Para aguentar
esse ritmo acelerado, costuma dizer que “tem que gostar
muito, muito do que faz...”. “Ser
“profissional-professor”, muitos conseguem; ser
“professor-profissional”, poucos”.
Sabbag conta que descobriu que “levava jeito” para
ensinar por volta dos 10 anos, quando passou a ajudar os colegas de
escola que tinham dúvidas em Matemática.
O
contexto familiar o ajudou, já que o pai foi uma pessoa
muito culta e a mãe, uma professora exemplar.
Ao se mudar para São Paulo, Capital, aos 17 anos, quando
ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na
USP, complementava o orçamento corrigindo
redações no Curso Etapa Vestibulares, o que foi
um bom aprendizado.
Posteriormente, entrou para a Receita Federal, num concurso para o
cargo de Técnico do Tesouro Nacional – hoje
denominado Analista da Receita Federal do Brasil.
Logo passou a
trabalhar em regime de plantão e, no período de
folga, começou a dar aulas de Direito Tributário
e de Português e Redação para
concursandos das áreas jurídica e fiscal.
Aos
poucos, as aulas se avolumaram de tal modo, a par das viagens por todo
o Brasil que lhe eram requisitadas, que decidiu pedir
exoneração do cargo público, em 2004.
Desde então, a docência tem sido sua principal
atividade, ao lado da advocacia tributária.
Acredita que
vocação para ensinar seja importante, mas
não é o essencial.
Assim como em qualquer
profissão, é possível evoluir com
treino, estudo, esforço e dedicação.
Não há vocação
sem
“transpiração”...Todavia,
é fato que tudo fica mais fácil quando se faz
aquilo de que se gosta...
1.
Você é advogado, mas se dedica à
carreira acadêmica. Como tem sido a sua experiência
como docente?
A experiência como
docente sempre foi, pra mim, um
“relaxamento”, embora a atividade seja
reconhecidamente penosa.
Trabalho em um sistema de ensino
telepresencial, no qual as aulas são transmitidas via
satélite, ao vivo, para todo o Brasil.
Posso dar aula para
100 alunos num período, e para 10 mil alunos em outro. E
isso, dia após dia, semana após semana.
Nossa
agenda é fechada com vários meses de
antecedência, com poucas pausas. Daí a necessidade
de estarmos com a saúde em dia e total
concentração no trabalho.
Não pode
haver falhas. Por esse motivo, o número total de alunos para
os quais já lecionei é bastante expressivo, o que
me dá o prazer de ser reconhecido em muitos lugares.
Isso
vale até como piada em sala: desde uma ilha deserta no
nordeste, passando por uma rua de pouco movimento em Buenos Aires,
até um local com centenas de pessoas.
Não
dá pra se esconder: haverá reconhecimento! (rs) E
o carinho demonstrado por esses alunos, muitos dos quais me conhecem
apenas pela TV e/ou computador, é algo muito motivador.
É o que me estimula e me faz continuar.
O mais
interessante, nesse caso, é a afinidade que o aluno mostra
ter comigo, mesmo sem nunca termos estado juntos ou termos conversado,
pois ele me vê quase que diariamente nas aulas
telepresenciais, e essa rotina cria uma cumplicidade e respeito
impressionantes.
Além disso, a atividade docente
me permitiu conhecer praticamente todos os Estados do País,
suas capitais e muitas cidades do interior. Isso me fez
angariar uma
visão privilegiada do nosso Brasil, algo que muitos
brasileiros não tiveram a oportunidade de ter, o que me
deixa muito feliz.
Aliás, por conta disso, possuo uma
curiosa coleção de objetos e produtos, recebidos
como presentes e lembranças de alunos, dos mais variados
cantos do nosso território.
São
“mimos” que testemunham uma trajetória
muito prazerosa em minha vida.
2.
Como um professor pode destacar o seu diferencial?
Inicialmente, o professor
precisa descobrir qual é a sua
principal característica: se é o profundo
conhecimento da matéria, se é aquele que domina a
técnica de transmitir o conhecimento, se é o
professor que consegue ter grande interação com
os alunos, etc.
Isso poderá ajudá-lo na escolha
dos caminhos na carreira docente.
Há
“vários tipos” de salas de aula: aquela
que requer maior divulgação de
conteúdo científico – em uma
pós-graduação, por exemplo –
e aquela em que a forma de ensinar deve ter primazia em
relação ao conteúdo.
Ensina bem aquele
que se preocupa com o público para o qual vai ensinar.
Um
dia desses, dei uma palestra de português para adolescentes,
pela manhã; à tarde, entrei em sala de
pós-graduação em Direito; e,
à noite, falava sobre impostos para prefeitos e vereadores
de um Estado, em um Congresso.
Aí está o desafio.
No caso específico de aulas de cursinhos
preparatórios, o profissional deve reunir tudo acima:
conhecimento + didática + empatia com os alunos.
E o aluno
costuma ter um grau de exigência bastante acentuado
– e inversamente proporcional ao nível de
tolerância: você entra pra dar a “melhor
aula de sua vida” todo dia..., sob pena de ser
“condenado”.
E não importa que tenha
milhares de aulas nas costas...Isso não será
considerado...
Por isso, digo sempre: perde muito aquele professor que
“conhece muito”, mas que, por outro lado,
“conhece pouco” sobre o ato de
“transmitir muito”. Acredito que todos
já tivemos professores desse perfil.
Da mesma forma, um
professor que possui excelente método de ensino, mas
não detém o conhecimento técnico,
não será útil, pois vai transmitir
(bem) o quê?
Daí haver a necessidade de um
equilíbrio de atributos.
Professor bom é aquele
que transmite bem para todos os públicos. No meu caso,
sempre tomei isso como desafio. E creio que ainda tenho muito a
aprender.
3.
Quais mudanças significativas vêm acontecendo na
educação brasileira atualmente?
A principal delas
é o dinamismo que a tecnologia trouxe para
a sala de aula.
Eu, por exemplo, ministro uma aula aqui em
São Paulo, Capital, em um pequeno estúdio, e essa
aula é transmitida ao vivo para mais de 400 unidades em todo
o Brasil.
Algumas turmas chegam a ter mais de 10.000 alunos.
É espantoso!
A internet também tem exercido papel
importante, com os seus recursos e inovações. No
passado, viajava mais que “caminhoneiro”
– costumo brincar.
Tinha até uma caminhonete,
movida a gás natural, pra dar conta de minhas tantas
viagens. Hoje isso não se faz necessário.
Fico em
São Paulo e estou em todo o Brasil. Talvez,
amanhã, nem precise sair de casa – lecionarei de
lá. Ficaremos todos em casa, assistindo às
aulas...
4.
Como você vê a educação no
futuro próximo?
Acredito que o futuro
pertence à Internet, que
irá acrescentar muito ao ensino nos próximos
anos, tendo um papel mais relevante do que o atual.
Certamente, em
algum tempo, teremos toda a estrutura para que o aluno assista
à aula, participe, pergunte e interaja com os colegas sem
sair de casa, tendo o mesmo aproveitamento de quem está em
uma sala de aula ao lado do professor.
Na realidade, o sistema
já existe, mas a estrutura de banda larga no Brasil
é, em regra, insuficiente, com exceção
de algumas poucas regiões.
Viajo sempre a regiões
longínquas no Brasil e vejo como ainda temos que
avançar na banda larga... Há centenas de cidades
brasileiras em que a velocidade na internet não existe.
É inacreditável...
5.
Quais as dificuldades e as vantagens (prós e contras) em ser
professor atualmente no Brasil?
Infelizmente, a
situação para a maioria dos
professores no Brasil está longe de ser adequada.
A precariedade é generalizada: escolas abandonadas,
materiais insuficientes, recursos pedagógicos antiquados,
professores sem comprometimento, péssimos
salários – tudo isso, especialmente na escola
pública, onde, aliás, estudei em toda a minha
vida e sei bem o que é.
Entretanto, pude ainda pegar os
derradeiros anos de qualidade no ensino público..
A forte
desvalorização da carreira, que ocorreu nos
últimos 20 anos, fez – e vem fazendo –
com que poucas pessoas alimentem o sonho de ser professor.
E muitos dos
que têm optado pela carreira não demonstram ter
aptidão suficiente.
Sabe aquele aluno fraco, que apresentava
duvidoso desempenho, sempre levando a escola “na
flauta”?
Não é de estranhar que escolha
ser “professor” no Brasil. A lógica se
inverteu. É claro que não podemos generalizar,
mas o fato narrado também não é apenas
uma exceção.
Como exemplo, numa pesquisa recente,
foi constatado que os melhores alunos das melhores faculdades
não se sentem motivados a lecionar, pois a carreira
não exerce atração, o que faz com que
o melhor conhecimento não seja passado adiante, quando
deveria ser exatamente o contrário.
O raciocínio
deveria ser: você é bom, então,
deverá ser professor!
Até porque a
profissão é essencialmente
altruística, dependendo da transmissão do
conhecimento de qualidade. Nas instituições
privadas, o quadro melhora um pouco, mas, ainda assim, não
é condizente com a importância que a
função de professor exerce na sociedade.
6.
Com as novas tecnologias, os professores precisam dispor de mais tempo
para dar conta das exigências impostas pela sociedade da
informação. Quais são as principais
mudanças que as tecnologias trouxeram para a
docência?
Sem dúvida, o
grande mérito das novas tecnologias
foi levar a informação ao aluno que
não estava nos centros urbanos.
Antigamente, quem morava
longe das capitais dos Estados, se quisesse fazer um cursinho de
qualidade, uma pós-graduação, teria
que se mudar, o que era excessivamente dispendioso para muitas pessoas.
Hoje, isso não é mais necessário, em
razão de tecnologias, como o sistema telepresencial (via
satélite) e a Internet, que permitem que o aluno tenha aulas
com os melhores professores sem sair da sua cidade.
7.
Nesse mesmo aspecto, você considera que as ferramentas
tecnológicas contribuem no processo de aprendizado dos
alunos?
Sem dúvida.
Ferramentas como os Smartphones e Tablets podem
contribuir bastante no processo de aprendizado, pois fazem com que a
informação fique mais acessível, em
tempo real. E isso não vale só para o aluno.
O
professor também teve que se enquadrar. Minhas aulas
são em lousa eletrônica.
Preencho
várias telas e, em vez de apagar – e perder o
conteúdo divulgado, como sempre foi –, posso
disponibilizá-las virtualmente ao aluno, e ele as estuda em
casa. Isso é fantástico.
A era do giz acabou, e o
quadro-negro... coitado dele!
A propósito, estive
recentemente em uma feira voltada para a educação
e notei que já existem recursos que me permitem escrever com
o dedo indicador tocando na tela.
E irei apagar com o dedo,
também...Acredita?
Meus alunos, ao término de
cada aula, recebem inúmeros materiais em sua caixa de
e-mail, a fim de que possam imprimir e estudar em casa.
Meus alunos da
pós-graduação recebem 300
páginas por semana para o estudo em casa, sem qualquer
esforço de pesquisa.
No passado, isso era
impensável. Curiosamente, há um fato que me tem
chamado a atenção: o aluno acompanha a aula com a
Internet ligada. E daí? A informação
é conferida por ele na hora.
Por isso, o professor
não pode mais falar besteira. (rs)
No entanto, acredito que
a grande questão dos próximos anos
será definirmos como, e em que
condições, os alunos irão assimilar
toda essa informação disponível.
8.
Qual a sua dica para quem pretende seguir a carreira
de docente?
Em primeiro lugar, deve
sentir-se apto a dividir conhecimento. Isso
significa percepção de que tem algo a ensinar a
outrem.
Após, deve sentir-se bem em fazer isso, pois o bom
professor é aquele que se contenta com a
matemática operação de
“divisão”, acreditando na
“multiplicação”, sem se
preocupar com a “soma”, que é
consequência natural.
Daí o seu desprendimento.
Somos o “altruísmo” em pessoa. Por fim,
a didática tem que ser treinada em sala, no dia a dia,
embora seja resultado de um forte componente nato.
Além
disso, é preciso estar atento ao principal instrumento do
professor: a voz.
Nesse aspecto, um fonoaudiólogo pode
ajudar bastante, não só para cuidar da
saúde vocal, como também para aferir o
nível de articulação.
Somos um
país de inúmeros sotaques e, no meu caso, como
falo a todo o Brasil, é recomendável que se
utilize um falar mais neutro.
Com isso, acabei perdendo boa parte do
meu “mineirês”. (rs) Por fim, o
domínio da língua portuguesa será um
grande diferencial.
Particularmente, tenho uma
obrigação extra, pois sou professor
também dessa Disciplina e tenho que fazer jus à
condição.
Quanto à carreira, vejo um
quadro favorável a partir de agora.
O nosso país
vive um momento de prosperidade econômica, com mais pessoas
estudando e se preparando, e o bom professor sempre terá
lugar nesse mercado crescente.