A Diversidade Sinalizando o Desconhecido - 10/08/2011
Lilia Pinto Martins
Li
recentemente no Portal RAC, portal do
maior grupo de mídia impressa do Interior de São
Paulo, uma reportagem de nossa
amiga Katia Fonseca, jornalista e Presidente do CVI-Campinas. A
matéria, do dia
25 de julho, trazia como título “Casal com Nanismo
Gera Criança Sem Problema Físico”.
Mas o que
dizer, vindo de pessoas
tradicionalmente tratadas como “bobos da corte” e
vivendo apenas em função do
divertimento e do prazer que despertam nos outros? Como imaginar,
pensariam
alguns, que neste “mundo dos pequenos”(2)
existiria algo além
daquilo para o que estes “pequenos”
estão destinados, ou seja, ser pretexto de
piada para espetáculos circenses ou programas
humorísticos? Nada mais
reducionista que um pensamento desta natureza, revelando o quanto
dentro de
nossa “humanidade” podemos ser perversos,
estigmatizando pessoas e
confinando-as em padrões de existência muito
aquém de sua condição humana.
Felizmente,
a realidade, sinalizando
fatos como o da reportagem, confirma uma
convicção que sempre tivemos e que
mostra como a diferença que cerca os humanos entre si
não lhes retira a
humanidade, conferindo-lhes os mesmos anseios e desejos que acompanham
os seres
humanos em geral desde que o mundo é mundo. E por uma
razão muito simples: somos
pessoas, acima de qualquer diferença.
Um segundo
ponto a focalizar: Tanto
Fabíola quanto Fernando mantinham a expectativa de ter um
filho também
“pequeno”, mostrando-se surpresos ao tomar
conhecimento do contrário, por não
saberem como seria lidar com uma criança
“grande”, ou seja, com uma filha que
terá padrões de estatura diferenciados dos
padrões de ambos. Eu mal leio este
trecho da reportagem e me vem algumas perguntas:
Curioso, a
expectativa do casal não
deveria ser o inverso da que experimentaram, ou seja, ter um filho com
uma
estatura padrão, que o identificaria dentro dos
padrões sociais da normalidade?
Não
é sempre a expectativa pela
“normalidade” que se coloca frente a
situações novas, profundamente investidas
de emoções e sentimentos, como é o
nascimento de um filho?
E
não é exatamente o contrário que se
verifica, isto é, a “normalidade” da
filha causando dúvidas e estranheza ao jovem
casal?
Como
é desejar que se repita no filho
uma condição de
“diferença” que, em lugar de trazer seu
significado intrínseco
de individuação, é normalmente tratada
e representada como minusvalia?
Que
força misteriosa é esta que atrai
para o que é “igual” mesmo quando o
igual significa a diferença?
Sim,
porque o caso em questão é
exemplar para apontar este paradoxo, pois a
condição de diferença dos pais
é
vivenciada como “normalidade” a ponto de suscitar
neles a expectativa por um
filho igual dentro da diferença que os identifica. E, para
surpresa geral, a
condição de “normalidade” da
filha causa estranheza exatamente pela diferença
que apresenta em relação aos pais.
Este
questionamento leva a supor que,
em princípio, somos guiados pelo desejo por um mundo que
não tenhamos que ser
defrontados com a diversidade, condição que
não deixa de ser aprisionante, mas
que sem dúvida fala de sentimentos e desejos bem primitivos.
Tenho a
impressão que, de fato, estar
frente à diversidade com tudo o que isto representa
é dar-se conta de um outro,
que, sendo diferente de nós, suscita dúvidas,
angústias e conflitos por fugir do
nosso desejo de ter este outro como espelho de nós mesmos,
continuando a ilusão
de que somos o centro do mundo.
Nada nos
assusta mais do que o desconhecido
e o inesperado que rompem com esta ilusão, retirando-nos do
“paraíso” e
reavivando ameaças muito primitivas, tanto de nosso passado
pré-histórico
quanto de nosso psiquismo primário, formado por fantasias
inconscientes que nos
acompanham em nosso desenvolvimento humano.
Lidar com
a diferença, trazendo o
desconhecido e o inesperado, será sempre uma
situação desafiante, frente,
talvez, a uma escolha alternativa e preferencial que não
apresente conflitos à
primeira vista. Esta pode ser uma das razões pelas quais
é tão usual colocar
alguns segmentos que representam a diversidade fora dos
padrões humanos e
sociais.
Contudo,
nada é tão ilusório quanto
negar o conflito em quaisquer perspectivas das
relações humanas. Conflito, a
meu ver, tem origem não só de litígios
intransponíveis, mas também de processos
estruturantes para relações mais humanizadas e
oxigenadas, exatamente pela presença
da diversidade dentro do tecido social.
(1)
Denominação adotada pelo casal entrevistado.
(2) Adoto a denominação utilizada na reportagem, seguindo a opção do casal entrevistado.
Lilian
Pinto Martins é presidente da CVI - Rio (www.cvi-rio.org.br).
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.