Universo Escolar
 

Para o Profissional que quer se Tornar Construtivista - 19/07/2011
Carla Verônica Machado Marques

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Nas profissões comprometidas com o desenvolvimento humano, é de fundamental importância que o profissional trabalhe em seu processo de conscientização a partir de sua própria experiência interior. Por quê? Para quê? Passamos muito tempo na escola, no trabalho, em casa, aprendendo a reduzir tal consciência, preocupados demais em “como” devíamos nos comportar, esquecendo gradativamente de quem somos, o que pensamos e sentimos e por que agimos desta ou daquela forma. Somos estranhos a nós mesmos e tomamos a vida o mais constante possível, nossos dias iguais.

Com uma conscientização de onde se está, com quem se está e o que se está fazendo, surgem opções, maior flexibilidade e, por seguinte, uma adequação mais precisa do comportamento. O professor educado tradicionalmente reproduz, em seus alunos, tal estado de alienação e autoabandono. Sua relação com a criança é estereotipada, limitada a papéis, padrões e regras. Ora, educação não é isso, pois aprender significa obter os meios para facilitar o desenvolvimento da personalidade da criança e permitir a expressão de suas potencialidades para integrar-se melhor no mundo dos adultos.

Apesar disso, o ensino continua a dividir a personalidade infantil, negando sua individualidade, sua emoção, seu potencial criador, sua autonomia, valorizando somente o produto intelectual. O professor que toma consciência desta situação não pode continuar a repetir-se, mas mudar implica, antes de tudo, mudar-se, e mudar-se significa descobrir suas dificuldades pessoais e profissionais, reconstruindo-se de maneira diferente, integrada em sua própria prática pedagógica.

Para quem inicia tal processo, o desafio se configura no inventar de uma historia, pois somos constituídos de um passado que define nosso modo de ser e compreender a criança num contexto cinzento, no qual aprendemos a ser rígidos, a resistir às mudanças, a nos defender todo o tempo e nos atemorizar da possibilidade de uma experiência emocional, da vida corporal, da espontaneidade de nós mesmos e do outro.

Assim, quanto mais ameaçado, mais o professor se esconde na repetição e na dependência e foge do novo, empobrecendo ao máximo a sua prática. O que acontece com a criança? Sofre solitária e inconscientemente, porque está viva e é extremamente sensível. Ainda não se enrijeceu e não se fragmentou. Dentro da sala de aula, a verdade é que ninguém se comunica e por isso são todos estranhos.

O adulto limita-se ao discurso verbal e fala, fala, fala... Não tem organização da personalidade suficiente para dialogar e refletir sobre si mesmo. Diante de tal quadro, minha opinião é que fica mais fácil para o professor superar as suas dificuldades através das trocas de experiências, profundamente ricas entre pessoas. Através da situação de grupo (grupo de sensibilidade, dinâmica de grupo etc.) pode-se dar inicio ao aparecimento de situações mal resolvidas, das dificuldades inconscientes dos indivíduos em suas relações interpessoais.

Começa o processo de conscientização, o reaparecimento do ser integral, da afetividade, das sensações corporais, do imaginário, das fantasias, em situações reais (na família, escola, trabalho etc.) emergentes no grupo. Estes são os instrumentos humanos para o crescimento e equilíbrio pessoal. Isto gera quase sempre muitas resistências e agressividade que podem dirigir-se para qualquer pessoa que represente a mudança, sentida intimamente como uma ameaça. O coordenador das dinâmicas ou trabalhos com o grupo passa a ser o receptáculo de tais emoções porque torna conscientes as defesas, medos e dificuldades do grupo. Ficam claras as tensões de cada um, abrem-se outros níveis de comunicação, questionamento e diálogo.

Alarga-se a compreensão da realidade circundante, perceptual. Surgem os verdadeiros motivos do comportamento de cada participante, Por isso tanta resistência. Na verdade, tornamo-nos anestesiados para estas experiências e não encontramos um sentido, não entendemos o que acontece à nossa volta porque durante anos fechamos os olhos, ouvidos e pele para qualquer coisa mais profunda. A sensação durante as vivências de grupo, organizadas numa dinâmica, por exemplo, é a de se estar perdendo tempo, ou sendo infantil, ou ainda fazendo jogos.

O que geralmente acontece é que nos tornamos capazes de aceitar nossas emoções, nossos pensamentos, nossa personalidade e a do outro, nos comunicamos, descobrimos que os problemas humanos são comuns a todos, que tudo resulta da dificuldade de estar simplesmente com o outro e de aprender a partir de si mesmo, adquirindo conhecimento sobre si mesmo. É uma nova forma de aprender e compreender as coisas e de compreender a criança, facilitando e descobrindo com ela o seu equilíbrio pessoal. Assim, libertar-se é o destino do professor que deseja e necessita elaborar-se.

A Educação Construtivista requer do professor muitas mudanças, não apenas em seus métodos e técnicas, mas antes em sua maneira de encarar a si mesmo. Sair de sua postura onisciente e poderosa para alguém sensível, consciente, aberto ao diálogo e disposto a ouvir. É importante que ele possa buscar inúmeras oportunidades para resgatar sua capacidade de avaliar mais sensivelmente a realidade, e não apenas repetir-se ou manter sua sensação de controle, mas procurar-se e descobrir-se enquanto um ser integral, tão vivo e livre quanto a criança.

Sobre a autora: Carla Verônica Machado Marques - Neuropsicóloga cognitiva; Artista Plástica; Mestre em Antropologia da Arte. Projeto de Doutorado em Neurociência Computacional-UFRJ. Coordenadora de projetos de Educação do CENTRO DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS UNIC-RIO - ONU. Professora Assistente da Faculdade de Medicina Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal - Disciplina de Psicologia Geral- Curso de Fonoaudiologia - UFRJ. Professora colaboradora do curso de Mestrado em Informática, linha de pesquisa em Informática na Educação e na Sociedade,iNCE- NÚCLEO DE COMPUTAÇÃO ELETRÔNICA - UFRJ. Orientadora científica do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva para crianças deficientes visuais NEUROLAB IBC INSTITUTO BENJAMIM CONSTANT. Coordenadora científica do Projeto de Pesquisa NEUROLOG REDE - INCE - UFRJ. Neuropsicóloga/Psicopedagoga Chefe de Serviço de Cognição e Linguagem da ABRAPA. Diretora-presidente da ABRAPA- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM. Responsável técnico-científica do LABRINT - Laboratório de Brinquedos Inteligentes ABRAPA Designer de jogos de reabilitação neuropsicológica e de materiais técnicos de avaliação e diagnóstico neuropsicológico/ e psicopedagógico.Neuropsicologia Cognitiva, Informática, Complexidade,Neurociência Computacional, Neuropedagogia.

Fonte: Blog Conversando sobre Inclusão (http://www.barbaraparente.blogspot.com/).

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2 COMENTÁRIOS

1 Carla Verônica Machado Marques - Rio de Janeiro
Eu gostaria de avisar aos leitores, que escrevi o texto aqui publicado em 1987, quando cursava o 5º período de Psicologia. Eu acredito que o texto continue atual e que em 24 anos passados, ainda sofremos juntos os mesmos desafios. Espero que vcs gostem das minhas idéias afloradas no meu coração de estudante. Carla Verônica M. Marques
23/07/2011 14:44:25


2 Lu Jasmin - Volta Redonda
Como já tive oportunidade de falar com a própria autora o texto é um CONVITE a refletirmos e principalmente a estarmos dispostos a sermos livres para a redescoberta de nós mesmos!!! Parabéns por divulgarem algo tão atual e verdadeiro! Beijos tb para a profa Carla que nos alerta mas principalmente aponta o melhor caminho.
19/07/2011 21:19:02


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