Entrevistando para Saber
Leonardo Campos Cerqueira Formado em Letras, na Universidade Federal da Bahia. Pesquisador nesta mesma instituição, atuando na área de cinema, cultura, literatura e mídia.

Entrevista com o crítico de cinema André Setaro - 12/07/2011
Leonardo Campos Cerqueira

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1. A primeira questão a iluminar: cinema e educação. O senhor acha que o cinema é utilizado de maneira satisfatória nas escolas?

O aluno que entra na universidade carece de noções rudimentares sobre linguagem cinematográfica. Não sabe, inclusive, que o cinema tem uma linguagem. Sobre ser deficiente in extremis o ensino fundamental, não são dadas, neste ensino, noções de que o cinema tem uma linguagem específica, uma sintaxe, e que o valor cinematográfico de um filme decorre da maneira pela qual o realizador articula os elementos da linguagem fílmica.

A maioria dos alunos que entra nos cursos superiores apenas se interessa pela fábula (enredo, trama, desenvolvimento da história...).

 A produção de sentidos de uma obra cinematográfica é dada, muitas vezes, por um movimento de câmera, por um travelling, por um corte determinado etc. Há dois elos: o sintático (a linguagem) e o semântico (o significado). Nesse sentido, o cinema não é bem utilizado nas escolas como uma linguagem autônoma. Os professores servem-se dele para mera ilustração de aulas, desconfigurando-o.

2. Há um texto abordando a inserção de obras fílmicas nos vestibulares no volume 3 da sua coletânea Escritos de Cinema. O senhor ainda mantém o posicionamento contrário?

Claro, os filmes são utilizados no vestibular como se fossem romances, isto é, procurando a sua significação pelo elo semântico e sem nenhuma atenção pelo elo sintático. A lista dos filmes, por exemplo, é elaborada por professores do Instituto de Letras. O ideal seria uma comissão que integrasse os professores de Letras e aqueles de Comunicação que ensinam no campo audiovisual.

3. Para um iniciante nos estudos da linguagem cinematográfica: quais são os principais filmes para a formação qualificada de um estudante incipiente?

Os filmes que contribuíram para a evolução da linguagem cinematográfica: O encouraçado Potemkin (1925), e Outubro (1927), ambos de Sergei Eisenstein, os filmes do neorrealismo italiano (notadamente Ladrões de bicicleta (1948), de Vittorio De Sica, e Roma, cidade aberta (1945), de Roberto Rossellini), a anti-narrativa de um cinema desdramatizado (A aventura, A noite, O eclipe, de Michelangelo Antonioni, a revolução godardiana (Acossado, 1959, principalmente), Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, Aurora (Sunrise, 1928), de Murnau, La passion de Jeanne D’Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergma, Oito e meio (1963), de Federico Fellini, No tempo das diligências (1939), Rastros de ódio (1956), e O homem que matou o facínora, todos os três de John Ford, Um corpo que cai (1957) e Janela indiscreta, ambos de Alfred Hitchccok, Luzes da cidade (1930), de Charles Chaplin, Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti, Persona, de Ingmar Bergman, Hiroshima mon amour e O ano passado em Marienbad, de Alain Resnais, estudar os filmes do expressionismo alemão, da escola de documentários britânica dos anos 20, o realismo poético francês, o neorrealismo italiano, a nouvelle vague francesa, o cinema novo brasileiro etc.

4. E o cinema no Brasil? O senhor gosta?

Com a captação de recursos atual, o realizador precisar se adequar ao mercado para ser aprovado pelos gerentes de marketing das empresas. Perdeu-se, com isso, a liberdade e a invenção mais descompromissadas.

Haveria espaço, hoje, no cinema de mercado, para a eclosão de um Rogério Sganzerla, um Júlio Bressane, um Ozualdo Candeias? O cinema argentino está bem melhor do que o cinema brasileiro e, para ficar na região, o cinema de Pernambuco e bem melhor do que o da Bahia. Mas está a haver uma revolução com o aparecimento do filme digital.

Que está a modificar a recepção e a percepção da obra cinematográfica. Atualmente qualquer pessoa pode fazer um filme com um celular, ou, mesmo, com uma pequena câmera digital.

Se, antes, as imagens em movimento ficavam confinadas nas salas exibidoras, mediante o pagamento de um ingresso, hoje elas podem ser vistas em qualquer lugar. Ainda não cheguei, para dizer a verdade, a um processo crítico mais consciente em relação ao digital e suas consequências.

5. Quem o senhor apontaria como um bom diretor do cinema nacional atual?

Há vários: Fernando Meirelles, Beto Brant, Andréia Tonacci, Carlos Reichenbach, Walter Lima Jr., Paulo César Sarraceni etc.

6. A maioria dos diretores entrevistados nesta coluna alega que a crítica de cinema no Brasil é totalmente subserviente ao mercado. O que o senhor, como crítico, acha disso?

Sim, é verdade. A crítica, se assim pode ser chamada, praticada nos jornais e alguns sites da internet, assume uma função de subserviência ao mercado. Inclusive porque os críticos assistem aos filmes em cabines especiais, recebem convites e algumas mordomias, principalmente no eixo Rio-São Paulo. Não me estimulo a fazer comentários dos filmes do circuito comercial contemporâneo, salvas as raras e honrosas exceções de toda regra (Meia noite em Paris, Cópia fiel, Tetro, poucos).

7. “O inferno são os outros”. A máxima de Sartre parece se encaixar no atual panorama das salas de cinema no mundo inteiro. Saudades do tempo dos cineclubes? Acha que a sétima arte dialoga bem com este painel da contemporaneidade?

A máxima de Sartre é perfeita como definição do comportamento da platéia em salas exibidoras, um comportamento de vândalos. Os espectadores, geralmente os aborrecentes, infernizam aqueles que gostam realmente de ver um filme em paz e sossego.

André Setaro é Crítico de Cinema, Professor Universitário e Jornalista. Blog: http://www.setarosblog.blogspot.com/

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