1.
A primeira questão a iluminar: cinema e
educação. O senhor acha que o cinema é
utilizado de maneira satisfatória nas escolas?
O aluno que entra na universidade carece de
noções rudimentares sobre linguagem
cinematográfica. Não sabe, inclusive, que o
cinema tem uma linguagem. Sobre ser deficiente in extremis o ensino
fundamental, não são dadas, neste ensino,
noções de que o cinema tem uma linguagem
específica, uma sintaxe, e que o valor
cinematográfico de um filme decorre da maneira pela qual o
realizador articula os elementos da linguagem fílmica.
A maioria dos alunos que entra nos cursos superiores apenas se
interessa pela fábula (enredo, trama, desenvolvimento da
história...).
A produção de sentidos de uma obra
cinematográfica é dada, muitas vezes, por um
movimento de câmera, por um travelling, por um corte
determinado etc. Há dois elos: o sintático (a
linguagem) e o semântico (o significado). Nesse sentido, o
cinema não é bem utilizado nas escolas como uma
linguagem autônoma. Os professores servem-se dele para mera
ilustração de aulas, desconfigurando-o.
2.
Há um texto abordando a inserção de
obras fílmicas nos vestibulares no volume 3 da sua
coletânea Escritos de Cinema. O senhor ainda
mantém o posicionamento contrário?
Claro, os filmes são utilizados no vestibular como se fossem
romances, isto é, procurando a sua
significação pelo elo semântico e sem
nenhuma atenção pelo elo sintático. A
lista dos filmes, por exemplo, é elaborada por professores
do Instituto de Letras. O ideal seria uma comissão que
integrasse os professores de Letras e aqueles de
Comunicação que ensinam no campo audiovisual.
3.
Para um iniciante nos estudos da linguagem cinematográfica:
quais são os principais filmes para a
formação qualificada de um estudante incipiente?
Os filmes que contribuíram para a
evolução da linguagem cinematográfica:
O encouraçado Potemkin (1925), e Outubro (1927), ambos de
Sergei Eisenstein, os filmes do neorrealismo italiano (notadamente
Ladrões de bicicleta (1948), de Vittorio De Sica, e Roma,
cidade aberta (1945), de Roberto Rossellini), a anti-narrativa de um
cinema desdramatizado (A aventura, A noite, O eclipe, de Michelangelo
Antonioni, a revolução godardiana (Acossado,
1959, principalmente), Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber
Rocha, Aurora (Sunrise, 1928), de Murnau, La passion de Jeanne
D’Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, Rashomon (1950), de
Akira Kurosawa, Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergma, Oito e
meio (1963), de Federico Fellini, No tempo das diligências
(1939), Rastros de ódio (1956), e O homem que matou o
facínora, todos os três de John Ford, Um corpo que
cai (1957) e Janela indiscreta, ambos de Alfred Hitchccok, Luzes da
cidade (1930), de Charles Chaplin, Rocco e seus irmãos, de
Luchino Visconti, Persona, de Ingmar Bergman, Hiroshima mon amour e O
ano passado em Marienbad, de Alain Resnais, estudar os filmes do
expressionismo alemão, da escola de documentários
britânica dos anos 20, o realismo poético
francês, o neorrealismo italiano, a nouvelle vague francesa,
o cinema novo brasileiro etc.
4.
E o cinema no Brasil? O senhor gosta?
Com a captação de recursos atual, o realizador
precisar se adequar ao mercado para ser aprovado pelos gerentes de
marketing das empresas. Perdeu-se, com isso, a liberdade e a
invenção mais descompromissadas.
Haveria espaço, hoje, no cinema de mercado, para a
eclosão de um Rogério Sganzerla, um
Júlio Bressane, um Ozualdo Candeias? O cinema argentino
está bem melhor do que o cinema brasileiro e, para ficar na
região, o cinema de Pernambuco e bem melhor do que o da
Bahia. Mas está a haver uma revolução
com o aparecimento do filme digital.
Que está a modificar a recepção e a
percepção da obra cinematográfica.
Atualmente qualquer pessoa pode fazer um filme com um celular, ou,
mesmo, com uma pequena câmera digital.
Se, antes, as imagens em movimento ficavam confinadas nas salas
exibidoras, mediante o pagamento de um ingresso, hoje elas podem ser
vistas em qualquer lugar. Ainda não cheguei, para dizer a
verdade, a um processo crítico mais consciente em
relação ao digital e suas consequências.
5.
Quem o senhor apontaria como um bom diretor do cinema nacional
atual?
Há vários: Fernando Meirelles, Beto Brant,
Andréia Tonacci, Carlos Reichenbach, Walter Lima Jr., Paulo
César Sarraceni etc.
6.
A maioria dos diretores entrevistados nesta coluna alega que a
crítica de cinema no Brasil é totalmente
subserviente ao mercado. O que o senhor, como crítico, acha
disso?
Sim, é verdade. A crítica, se assim pode ser
chamada, praticada nos jornais e alguns sites da internet, assume uma
função de subserviência ao mercado.
Inclusive porque os críticos assistem aos filmes em cabines
especiais, recebem convites e algumas mordomias, principalmente no eixo
Rio-São Paulo. Não me estimulo a fazer
comentários dos filmes do circuito comercial
contemporâneo, salvas as raras e honrosas
exceções de toda regra (Meia noite em Paris,
Cópia fiel, Tetro, poucos).
7.
“O inferno são os outros”. A
máxima de Sartre parece se encaixar no atual panorama das
salas de cinema no mundo inteiro. Saudades do tempo dos cineclubes?
Acha que a sétima arte dialoga bem com este painel da
contemporaneidade?
A máxima de Sartre é perfeita como
definição do comportamento da platéia
em salas exibidoras, um comportamento de vândalos. Os
espectadores, geralmente os aborrecentes, infernizam aqueles que gostam
realmente de ver um filme em paz e sossego.
André Setaro é Crítico de Cinema,
Professor Universitário e Jornalista. Blog:
http://www.setarosblog.blogspot.com/