O ensino da tabuada na escola primária - 21/06/2011
Miriam Mota Rodrigues
Antes
de abrir a discussão, o primeiro aspecto a ser destacado
é o significado da tabuada.
O que é uma tabuada?
Uma lista de números? Operações? Contas de vezes? Multiplicação? Uma tabela de números? Contas até 10? *
Antes de responder, pense na raiz das palavras "tabuada", "tábua" e "tabela".
Ahá!
É isto! Uma tabuada não passa de uma tabela.
A tabuada é um tipo especial de tabela, que no ensino
primário está associada à
memorização de fatos aritméticos e, em
especial, dos fatos da multiplicação.
É comum a associação do termo tabuada
somente à tabela da multiplicação.
Esquece-se, porém, de uma diversidade de outras
“tabuadas”: adição,
subtração, divisão, quadrados
perfeitos, potências de 2 etc.
As tábuas de logaritmos e as Tábuas
trigonométricas também são tabelas,
ainda que, usualmente, as chamamos de
“tábuas”.
A etimologia da palavra “tabuada” não deixa margem a dúvidas.
Em
outras línguas...
A palavra “table”
do vocabulário inglês é a palavra usada
para se referir indistintamente às tabelas,
tábuas, tabuadas, mesas ou pedaços de madeira, o
mesmo ocorre com a palavra “tableaux”
do francês, “távola”
do italiano e “tabla”
no espanhol, com a ressalva de que usam “tablas de
multiplicar” para se referir às tabelas que
chamamos de tabuadas.
Do ponto de vista estritamente matemático, pode-se admitir que as tabuadas são representações de funções na forma tabular.
Uma tabela é uma representação matricial, formada por linhas e coluna, o número de linhas ou colunas vai depender da aplicação que se pretende. Neste sentido uma tabela unidimensional, pode ser representada apenas por uma coluna. As tabuadas tradicionais podem ser expressas como tabelas bidimensionais, com linhas e colunas. Pode-se imaginar tabelas com mais dimensões, como se pode ver em planilhas como o Excel,entretanto nas séries iniciais tal visualização é mais difícil para as crianças.
A “tabuada do 3”, por exemplo, associa a cada número do conjunto dos números inteiroum correspondente que é seu triplo, mas, “seu triplo”, perde-se pelo modo mecânico do seu ensino, baseado exclusivamente na decoreba de uma cantinela na maior parte das vezes sem significado.
Tabelas
e tabuadas no dia a dia
Estamos cercados por tabelas e, sem perceber, também por
tabuadas.
Por exemplo:
Numa
padaria, perto de minha casa, tinha na parede uma tabela que, no fundo
não passava de uma tabuada do “0,35”;
trinta e cinco centavos era o preço de cada
pãozinho.
Pães Preço Total
1
R$ 0,35
2 R$ 0,70
3 R$ 1,05
4 R$ 1,40
5 R$ 1,75
Cada vez que alguém pedia uma certa quantidade de
pães, o padeiro, quase sempre, anotava o valor total em um
pedaço de papel sem o auxílio de qualquer recurso
material, como o cálculo escrito ou uma calculadora. Tudo
indicava que ele sabia alguns valores de cabeça ou, como
dizia meu avô, “decor”.
Em geral, nosso padeiro não consultava a tabuada da parede
quando os fregueses pediam quantidades como 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 10 ou
12 pãezinhos, pois se tratavam dos pedidos mais comuns.
Mas se alguém pedia:
-
Por favor, quero levar 17 pãezinhos.
Nosso padeiro, que não tinha a
obrigação de saber de cabeça quanto
é 17 x 0,35, virava-se para a parede às suas
costas e consultava a linha 17 para ver qual era o valor de 17
pãezinhos.
Se
o freguês voltasse no dia seguinte e pedisse a mesma
quantidade de pães, é provável que
nosso padeiro repetisse a consulta. Talvez ele a consultasse novamente
na terceira vez, mas, no quarto dia, logo que avistasse o
freguês, poderia pensar “Lá vem o cara
dos 17 pãezinhos”.
Mas desta vez seu procedimento seria diferente: ele contaria e
ensacaria os pães e anotaria o valor de R$ 5,95 diretamente
no papel, sem precisar consultar a tabela.
O que teria ocorrido?
Tudo indica que nosso padeiro memorizou o fato numérico da
17ª linha da tabuada do “0,35”.
E por que memorizou?
Porque necessitou, porque aquela operação
esquisita 17 x 0,35 passou a ter significado na sua rotina
diária. Ou alguém acha que ele levou a tabela
para decorar em casa?
Muito provavelmente ele nunca mais precise consultar aquela tabuada de
padaria, nem mesmo se alguém lhe encomendar 170
pães, que pode ser facilmente calculado quando se sabe o
preço de 17, a não ser que um dia
apareça alguém pedindo:
- Por favor, quero levar 43 pãezinhos.
E lá vai nosso padeiro de volta à tabuada do 0,35.
Pronto, agora já estamos em condições
de perguntar:
Para que servem as
tabuadas?
Tabelas existem para serem consultadas, não para serem
decoradas ou reconstruídas a cada momento. Tabuadas, como
qualquer tabela, deveriam ser construídas e ensinadas para
serem consultadas
e, no âmbito escolar, se as atividades de
construção e consulta forem significativas,
é grande a probabilidade de a maioria dos alunos as
memorizarem naturalmente, sem esforço ou cara feia. Dessa
perspectiva, os fatos aritméticos da
multiplicação tendem a ser apreendidos e
internalizados pelos alunos, tal como já o fizeram com seus
nomes e endereços e telefones de parentes e amigos.
Se você ainda não se convenceu dos argumentos e
propósitos deste texto, vamos seguir um pouco mais.
Atente para os seguintes fatos. As primeiras tábuas de
logaritmos levaram cerca de 20 anos para serem construídas.
Depois disso, o bom senso fez com que fossem impressas e vendidas
livremente para que aqueles que necessitassem consultar, sem ter que
reconstruí-las novamente.
Neste ponto, cabe uma discussão de valor
pedagógico que considero importante.
Existe
diferença entre decorar e memorizar ou significam a mesma
coisa?
Antes de responder a esta questão pense na seguinte
história como metáfora:
Dona Lílian foi contratada para ser secretária em
uma escola. Dentre suas principais tarefas diárias,
está a função de telefonista. Durante
um dia de trabalho, ela faz cerca de 80 telefonemas para diversos
órgãos e pessoas: secretaria de
educação, editoras, outras escolas, professores,
contador, papelaria etc.
Obviamente, como funcionária nova, ela provavelmente
não sabe de cabeça nenhum dos números
telefônicos que terá que discar para fazer as
ligações. O que você acha mais sensato?
1) Ela leva a lista de telefones da empresa para casa e só
depois de decorá-los começa a trabalhar para
valer.
2) Ela trabalha normalmente consultando a lista de telefones sempre que
necessitar fazer uma ligação.
É claro que a primeira opção
é absurda, improvável e inverossímil
no mundo real do trabalho. Também é claro que o
hábito e a rotina de ter que fazer telefonemas para um mesmo
número contribui para que a funcionária memorize
os números mais importantes. Em outras palavras,
há memorização quando se recorre com
certa frequência e ritmo a fatos e/ou
informações em situações
significativas que se enfrentam por desejo ou necessidade.
É isto o que desejamos para nossos alunos? Que decorem sem
assimilar, sem entender? Que decorem hoje o que provavelmente
vão esquecer amanhã?
Não. Esse não é o objetivo de qualquer
educador que se preze, seja ele construtivista ou não. E
também não deve ser o desejo de pais, governantes
e até mesmo dos alunos.
*Coletado de depoimentos de professores.
Referências bibliográficas:
Multiplicação
e Divisão (Coleção
Ensinando-Aprendendo)
Autor:
Dione Lucchesi de Carvalho
Editora:
CLR Balieiro Editores Ltda.
Atividades
Matemáticas (3 volumes, para 1ª, 2ª e
3ª séries do Ensino Fundamental)
Autores:
Equipe da CENP
Editora:
CENP - Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas -
Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo
Números
e Operações - Conteúdo E Metodologia
Da Matemática
Autora:
Marília R. Centurión
Editora:
Scipione
Miriam Mota Rodrigues é Coordenadora do Programa Matemática Descomplicada em Guaratinguetá, São Paulo.
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.