Cinema na Educação
 

Pertencemos à Sociedade dos Poetas Mortos? - 16/05/2011
Leonardo Venicius Parreira Proto

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O presente título do texto sugere de imediato a imagem do filme Sociedade dos Poetas Mortos. Produzido em 1989, conta com a participação de Robin Williams como protagonista. Ele interpreta o professor de literatura John Keating, recém-contratado para trabalhar na escola (espécie de reformatório) para adolescentes do sexo masculino.

Escola esta de perfil sistemático, moral religiosa rigorosa (ortodoxa, diria) e de um conservadorismo tradicional, justificado pela trajetória dos “grandes” que estudaram nesse estabelecimento de ensino. Aos que estão matriculados na escola, uma justificativa é dada: foram escolhidos para continuarem o legado da tradição na lógica da formação de “quadros” das elites norte-americanas.

O professor Keating inicia seu trabalho provocando o grupo de estudantes, a partir da literatura, para pensarem além das obviedades, sempre que possível “transcendendo” os próprios horizontes. Isso possibilitou na narrativa ficcional uma ruptura com o ethos hierarquizador, disciplinador e ordeiro daquela tradição escolar.

Mas e a turma de adolescentes acompanhada pelo professor? Como reagiu as suas provoca-ações? Num primeiro instante, assustaram-se, mas num segundo momento perceberam que o mundo de sues corpos, corações e mentes poderiam transpor limites e projetar expectativas, o que antes estava fadado ao cumprimento das promessas e tradição de suas famílias patriarcais e da moral religiosa inquestionável.

Ao final da narrativa fílmica, dois são os impactos causados pela subversão da ordem estabelecida na respectiva instituição escolar: expulsão do professor e suicídio de um dos adolescentes por causa da atitude intransigente de seu pai em não permitir que o filho fosse protagonista de um espetáculo teatral, pois o adolescente deveria abandonar a arte/literatura para seguir a “vocação” da família e se matricular num grande centro de excelência universitário. Em protesto e por não suportar o autoritarismo paterno, decide-se pelo autoaniquilamento.

A produção do longa opta pela negativa do happy end e o desfecho é propício para nos indagarmos: pertencemos à “sociedade dos poetas mortos”? Essa inquirição nos provoca a pensar sobre nossa capacidade, enquanto sujeitos sociais, de questionar as bases atuais da elaboração do pensamento e da razão, até por remeter a outra dúvida fundamental: é possível uma razão emancipatória?

Os pensadores Adorno e Horkheimer (1983) elaboraram uma crítica ao pensamento e à construção histórica da razão moderna, como pressuposto da elaboração do que ficara conhecida como teoria crítica, na denominada Escola de Frankfurt.

Para ambos, a modernidade desde o cartesianismo e, sobretudo o iluminismo, desenvolveu um conceito de razão associado à lógica de entendimento da matemática, ou seja, elaborou-se uma razão circunscrita da forma de compreensão das ciências da natureza, em que o método racional pressupunha uma mensuração quantitativa.

Em termos epistemológicos, seria necessária para construção da razão moderna a noção de ordem, disciplina e exatidão para obtenção dos resultados no processo de desenvolvimento da sistematização do saber. Teve assim, como consequência para a razão desenvolvida até então, uma forma de racionalidade calcada no processo de coisificação do pensamento, atrelado, é claro, à dinâmica do processo de produção industrial em sua esfera serial e homogeneizadora.

Da mesma maneira que a produção material está inserida nesse procedimento tecnicista da produção capitalista, há uma reprodução, também em “larga escala”, de pensamentos mecanizados, dogmatizados, estreitados com a conformação das formas de produção e reprodução da vida material e, com esta, as visões de mundo que reafirmam em todos os momentos que o “mundo é assim mesmo, apenas acomodemos a sua maneira”.

A concepção teórica de Adorno e Horkheimer de crítica à razão coisificada tem como contexto histórico a ascensão do nazismo e suas configurações totalitárias em meio às forças produtivas do capitalismo, afinal, não podemos dissociar a ideologia nazi-fascista das determinações da produção social. Uma relação provável são as ideias positivistas oriundas do nazismo e sua subsunção ao capital e sua reprodução da vida material.

Em termos de reprodução psíquica, duas são as mensagens emitidas pelo capitalismo em sua versão ideológica nazista: disciplina e docilização dos corpos e obediência à autoridade, ora apresentada como pai da pátria na figura do próprio Führer, ora evidenciada na imagem do patrão no mundo do trabalho.

Para uma analogia com o filme, a razão precisa em várias situações obscurecer-se com objetivo categórico-imperativo de redimir o ser a sua insignificância diante da tradição e competência das instituições. Estas, sim, são significantes numa perspectiva tradicionalista.

Os povos e sociedades colonizados pelas civilizações ocidentais, como é o caso dos latinos, africanos e asiáticos, resistiram por meio das lutas sociais ao processo de subalternização imposto pelas classes possuidoras dominantes do universo europeu.

O “presente de grego” foi igualmente ofertado nos genocídios em massa, emitindo uma única mensagem finalística (assim como aquela da escola tradicional da sociedade dos poetas mortos, do hitlerismo e dos neocolonizadores do novo mundo), do expurgo dos indivíduos questionadores, numa prática de intimidação e execução dos “hereges”, dos tais subversivos, caso não obedeçam às formas de regularização social.

Por último, fica o convite para os que não assistiram ao filme, para quiçá, possamos com a crítica devida questionarmos as certezas e problematizarmos a razão “adormecida” pelo processo de mecanização do pensamento. A literatura, como demonstrada pela sociedade dos poetas mortos, é uma aliada nos enfrentamentos da resistência e da humanização do ser. Eis uma referência para nossas utopias!

Leonardo Venicius Parreira Proto – Bacharel e licenciado em História pela PUC-GO, especialista em adolescência e juventude no mundo contemporâneo pela Faculdade Jesuíta (FAJE-MG), mestrando em História pela UFG e bolsista da CAPES.

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