Entrevistando para Saber
Leonardo Campos Cerqueira Formado em Letras, na Universidade Federal da Bahia. Pesquisador nesta mesma instituição, atuando na área de cinema, cultura, literatura e mídia.

Entrevistando Joel Zito e Araújo - 31/05/2010
Leonardo Campos

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1. O primeiro ângulo a iluminar nesta entrevista é a sua relação com o cinema. Como o senhor define a atual cinematografia brasileira?

Nós vivemos um momento positivo, se observarmos a diversidade e a quantidade de novos talentos que entraram no cinema desde a retomada, em 1995. Entretanto, a riqueza dessa diversidade não é exibida nas salas de cinema e, da mesma forma, não circula para a população por três motivos básicos que tentarei explicitar. 

A cota de tela existente para o cinema brasileiro, que é pequena, de 28 dias por ano para cada cinema, é preenchida pelo cinema de tipo blockbuster, feito com critérios puramente comerciais das grandes distribuidoras e pelas grandes corporações televisivas, interessados apenas em um cinema de grande bilheteria garantida. 

Um tipo de filme feito apenas para o divertimento, sem nenhuma preocupação com o debate das questões culturais, sociais, políticas e afetivas/comportamentais do país. Portanto, o filme independente, com preocupações artísticas, tem uma grade mínima de exibição ou, muitas vezes, nem alcança esse mínimo. 

Ainda não conseguimos costurar um acordo entre a televiso brasileira e o cinema independente, seguindo os exemplos europeu e norte-americano. A televisão brasileira só se interessa pelos filmes de sucesso de bilheteria, e de quando em quando exibe filmes bem premiados em festivais. 

Eu, particulamente, não posso reclamar, todos os meus filmes foram para a televisao em decorrência do seu sucesso em festivais. 

Mas essa não é uma realidade para todos. E, teriamos uma produção mais regular e de melhor qualidade, se a televisão comprasse antecipadamente os filmes, ajudando na produção, tornando-se coprodutora ou patrocinadora.

E falo aqui tanto da televisao privada quanto da pública, ambas não entraram para valer apoiando a diversidade do cinema brasileiro e, especialmente, reconhecendo o seu papel de fomentador de debate das grandes questões brasileiras. E, por fim, temos um outro gargalo na distribuição. Essa produção independente não circula nem mesmo nas milhares de locadoras espalhadas pelo país, que tem suas prateleiras tomadas pelos blockbusters e pelo lixo norte-americano. 

Neste caso, precisamos buscar alternativas de distribuidores que se interessem em defender o produto brasileiro nestas distribuidoras. E, da mesma forma, temos de nos preocupar com a formação do público, assegurando o gosto pela narrativa, história e debates do cinema brasileiro.

2. Seu documentário "A Negação do Brasil" é um dos mais cultuados em universidades, como aqui na Bahia, na UFBA. Qual eram as suas intenções ao produzi-lo?

É muito aberta e evidente minhas intenções como esse filme. Ele é quase um filme manifesto de toda a minha carreira e proposta. Ali está o cerne do debate cultural que estou interessado em discutir: o lugar do negro na sociedade brasileira. E quero fazer isto com o máximo de riqueza possível, não quero apenas me deter na questão social/política, do racismo aberto, confrontacional. 

Quero trabalhar as sutilezas e as grandes questões humanas, de natureza afetiva, emocional, mexendo na intimidade das relações, consciente que dentro dessa intimidade se enconde também 400 anos de escravidão e mais cento e poucos anos de uma sociedade que até hoje tem dificuldade de encarar frente a frente a questão racial.

3. Ao analisar sua cinematografia, percebemos uma predileção pelo foco na questão de gênero. É uma preocupação acadêmica sua ou seria uma estratégia mercadológica em abordar temas como esse, que faz parte do panorama das polêmicas contemporâneas?

A questão de gênero não tem nenhum planejamento, não tem nenhuma intencionalidade. Diferente da questao racial, que é abertamente intencional. O aparecimento da questão de gênero espelha o meu mundo privado, as minhas duas filhas, as minhas irmãs, a história da minha mãe, as esposas que tive (rs), a minha namorada.

Espelham, portanto, um jeito de ser, um mundo de preocupações que cercam naturalmente o meu cotidiano, e não uma estratégia política ou de marketing.

4. A ONU esteve em Salvador recentemente. Uma das discussões desse congresso foi a questão do Protocolo de Palermo e sua necessidade de funcionamento efetivo. Pensando nisso, partimos para seu documentário Cinderelas, lobos e um príncipe encantado: por que um tema tão interessante foi tão pouco veiculado na mídia e nas salas de cinema?

O público que vai regularmente ao cinema é uma minoria de 5% de brasileiros, na sua grande maioria saindo da classe media média e alta. Infelizmente, grande parte dela não está interessada em pagar ingressos para ver debates sérios sobre os excluídos do nosso país. É óbvio que dentro desse segmento tem uma minoria cabeça, contemporânea, interessada no contrário. 

Portanto, o sucesso de filmes com o meu depende de uma ampliação de público de cinema. Depende da entrada de novos segmentos que não aguentam pagar o alto valor do ingresso. Portanto, eu sempre soube que a circulação ideal dos meus filmes são nas universidades, está nas mãos de professores, de Ongs e nos agitadores dos pontos de cultura.

5. Como o senhor considera e avalia o documentário (Cinderelas, lobos...) na ótica da atual produção cinematográfica do Brasil?

É dificil ter esse distanciamento da própria obra e colocá-la comparativamente junto às outras. Mas acho que sou uma das expressões de uma geração diversa e preocupada com o Brasil que entrou para a produção de cinema nos anos noventa. 

De uma geração que não está no cinema como negócio, que quer viver de fazer cinema, mas tem isso como meta pelo seu papel cultural e artístico, como uma maneira de ajudar o país a crescer e ajudar a sí mesmo a lidar com as angústias provocadas pela realidade.

6. Algum projeto futuro? Poderia comentá-lo?

Estou começando a finalizar o meu novo longa-documentário que pretendemos lançar no final do ano. O filme RAÇA, que é o meu primeiro filme realizado em parceria com uma amiga de muito tempo tempo, a norte-americana Megan Mylan, que ganhou o Oscar de melhor documentário no ano passado. Creio que o título já diz o que pretendemos debater.

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