Pato Donald encontra Zé Carioca. Este clássico episódio marca o encontro do personagem da Disney com o Brasil, produzido na década de 40 e que hoje, academicamente, é estudado como um dos primeiros produtos referentes aos “olhares estrangeiros”. Mas o que seriam estes olhares estrangeiros?

Olhar estrangeiro é um documentário, dirigido pela cineasta e jornalista Lúcia Murat. Nele, há depoimentos filmados em diversos festivais de cinema pelo mundo, nos quais as pessoas e em alguns casos diretores e atores que participaram das produções citadas comentam a sua visão de Brasil, dando espaço para um festival de clichês.

Este documentário teve como base a tese de doutorado O Brasil dos Gringos: imagens no cinema, de Tunico Amâncio, da UFRJ. Atuando como roteirista da produção, Tunico seleciona filmes como Anaconda, Orquídea Selvagem e outros exemplares que abordam a nação brasileira de forma estereotipada, como uma terra do samba (apenas) e da sexualidade ambígua.

Aquarela do Brasil é um dos produtos culturais estudados na tese de Amâncio, mas que no documentário não ganha nenhum destaque. No desenho, Donald surge no Brasil e é recepcionado por Zé Carioca, o personagem malandro, metonímia do Brasil (pelo menos de acordo com a visão estadunidense).

Para o cabal entendimento deste ponto, é preciso deslindar o significado de estereótipo, mesmo que no senso comum, procurando não analisar através de academicismos, abrindo espaço para uma leitura em diversas vias: tanto para os leigos como para os envolvidos com o assunto. O estereótipo pode ser definido como uma visão cristalizada de determinada coisa, que ao ser reiterado o tempo inteiro, acaba dando margem para equívocos de interpretação, criando verdades que nem sempre são retratos da “dita” realidade.

 Este desenho animado permite-nos muitas conclusões e, inclusive, põe na bandeja os lugares por onde desfilam os estereótipos: na abertura, temos uma mão pincelando este Brasil por meio da música de Ary Barroso. Em apenas 8 minutos, um cacho de banana se transforma em tucanos, os seres inanimados ganham vida de forma carnavalesca e Donald samba praticamente o tempo inteiro.

Uma produção aparentemente inocente, mas que possui todo um histórico político nos bastidores: Aquarela do Brasil é um desenho marco para o encontro da nação brasileira do período, representada por Getúlio Vargas com os norte-americanos que, na época, solicitavam apoio do Brasil na Segunda Guerra Mundial sendo, então, um elo de representação ideológica. Walt Disney desembarca no Brasil e, neste mesmo período, o diretor Orson Wells, famoso por tantos filmes que marcaram a historiografia do cinema mundial, dentre eles, Cidadão Kane.

No próximo artigo, analisaremos a visita de Orson Wells ao Brasil. Documentos perdidos, conspirações e muitas curiosidades marcam a presença do diretor americano em terras brasileiras.