Comédia da vida pública - 01/04/2010
Procura-se um médico eventual: não precisa ter formação plena
Certo dia, esperando para ser atendido num banco público, passei a ser ouvinte de um diálogo no mínimo curioso.
Uma senhora e um senhor conversavam alegremente: era um reencontro de 10 anos sem contato. Conversa vai, conversa vem, o distinto senhor pergunta para sua interlocutora como estava o seu filho. Nesse momento, os olhos da senhora brilharam e um sorriso nada discreto nasceu em seus lábios. Com a voz embargada ela respondeu que o filho era um engenheiro recém-formado.
O senhor, de nome Carlos, manifestou alegria com a resposta e, de imediato, perguntou se ele já estava trabalhando na área. Ah, foi um banho de água fria na senhora, de nome Ana. Era visível o seu constrangimento. De imediato, tentou justificar que o mercado de trabalho exige experiência e, por essa razão, o seu filho estava fazendo estágio numa empresa. O Srº Carlos concordou com um movimento de cabeça.
Em seguida, a senhora Ana emendou sua resposta afirmando que o seu filho estava fazendo “bico” para se manter até terminar o estágio e poder realmente arrumar um emprego. Nesse meio tempo, muitas futilidades foram introduzidas no diálogo e, num dado momento, o senhor Carlos perguntou que tipo de “bico” o filho da sua interlocutora estava fazendo e, bem rapidamente, ele ouviu que o rapaz estava dando “aulinhas de matemática” numa escola pública próxima à residência deles (da mãe e do filho).
Confesso, sem ter a face ruborescida, que já sabia a resposta indecorosa. Afinal, é a verdadeira face da Educação. O ponto mais baixo que políticas pontuais e de cunho interesseiro poderia deixar a nossa Educação. Afinal, qualquer pessoa (médicos, psicólogos, políticos sem formação ou de formação diversa da educação, juristas, escritores, teóricos, advogados... enfim, todo mundo) se sente “competente” para “dar” aula, para “dar” palpite, para administrar uma instituição escolar...
Todo mundo se acha suficientemente capaz de interferir na rotina escolar, no processo pedagógico e no gerenciamento dos conflitos escolares. Nesse perpassar de ingerências e na visão ridícula que as pessoas têm da arte de educar, também me senti capaz de fazer “bico” em outra área. Após esse start que o diálogo entre a senhora Ana e o senhor Carlos provocou em meus neurônios, comecei uma incessante busca por uma vaga de “médico eventual” (sem formação plena) em algum hospital público. Afinal, fui um excelente aluno de Biologia, pois nunca fiquei de DP, nunca fiz exame ou segunda chamada, fechava a maioria das disciplinas no terceiro bimestre, fui um aluno exemplar de Anatomia Humana, sentido-me capaz de exercer a função de médico eventual.
Se alguém souber de uma vaga, por gentileza, ligue-me ou mande-me um e-mail, ficarei imensamente grato. Ah, não encarem isso como piada!
Professor Marcelo Luis dos Santos Antonio - Biólogo, Professor, Diretor de Escola e “médico eventual”.
1 wagner silva - são paulo
È uma pura realida deixar na educação brasileira. O importante é não deixar o aluno sem aula.
A aula é dada, porém a qualidade da aula que é questionada.
Qualquer pessoa pode dar aula, e isso serve para que este governo responda a lei que obriga o estado a oferece educação para todos.
Dizse que 97 das crianças estão na escola, porém ninguem questiona como.
Wagner silva
06/06/2010 19:57:36
2 Sirlei - Campinas
Muito interessante seu texto,quer dizer interessante é pouco é fantástico,é bem por ai mesmo,hoje em dia qualquer um da aula,Parabéns
05/06/2010 08:27:59
3 Hélida Lança - São Paulo
Terminei a leitura com uma gargalhada. Aquelas de desespero, sabe? A situação é caótica, mas a sociedade nem dá sinais de se importar. Então segue o enterro! Parabéns pelo texto.
04/06/2010 19:56:44
4 Walter Spolon - Monte Aprazível
Caro Marcelo,
O que vc descreve é a pura realidade. Infelizmente a mais importante de todas as profissões é, tb, a mais achincalhada e violentada. Aqui todos se sentem a vontade para invadir e colaborar.
04/06/2010 18:54:18
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