José Roberto O´Shea no Diálogo 7 - 19/03/2010
Leonardo Campos
José Roberto O´Shea - Doutor em Literatura inglesa e norte-americana pela The University of North Carolina, com pós-doutorado pelo The Shakespeare Institute, Stratford-upon-Avon (1997). Tradutor de peças de Shakespeare e dos livros teóricos de Harold Bloom, um dos mais conhecidos e respeitados críticos literários do mundo.
1.
Shakespeare inventou o humano. O que poderíamos definir por
essa afirmação de Harold Bloom?
R. Basicamente, que os personagens criados por Shakespeare, sobretudo
(mas não exclusivamente) os protagonistas (no caso destes
últimos, Bloom destaca Hamlet, Falstaff,
Cleópatra e Rosalinda) apresentam níveis
tão elevados de individualidade e características
tão convincentemente pessoais que nossa
concepção do "humano", conforme hoje
constituída, teria sido propiciada, criada pelos personagens
dramáticos shakespearianos.
2. Muitos textos
acadêmicos, filmes e obras literárias creditam a
Shakespeare a acunha de universal. O que o senhor acha disso?
R. Considero essa noção do universal -- seja em
Shakespeare ou em qualquer outro autor -- bastante
problemática. Se examinarmos a História da Arte
numa perspectiva diacrônica constataremos que, no mais das
vezes, as definições de "universal" -- isto
é, aquilo que supostamente diz respeito, toca, comove,
é relevante para todos --, na realidade configura
padrões estéticos estabelecidos, validados,
defendidos e (por que não dizer?) impostos pela cultura
hegemônica.
3. Baseado em seu
conhecimento no assunto, quais seriam as obras que delineiam esse
perfil de Shakespeare que encontramos nos manuais literários?
R. Diante do exposto na resposta à segunda pergunta, acho
que fica patente que não me agrada pensar a obra
shakespeariana nesses termos de universalidade. Antes, interessam-me as
particularidades aplicadas, apropriadas e interpretadas por meio de
contextos e problemáticas locais.
4. A existência
do dramaturgo é adornada por mitos e lendas. Com isso, o
senhor acha que a obra do de Shakespeare tenha perdido a credibilidade
no que tange à autoria, vide, as opiniões
acadêmicas que se têm acerca da Odisseia, de
Homero, como exemplo?
R. A exemplo da questão da universalidade, a
questão da autoria, principalmente no caso da poesia
dramática, pouco me interessa. A meu ver, o importante
é a existência da obra, um corpus tremendamente
impactante e rico, seja em conteúdo, seja em forma.
Isto é, o fato notável é termos essa coletânea de peças escritas, encenadas e consumidas em Londres na última década do século XVI e na primeira década do XVII. É certo que sabemos, com base em pelo menos uma centena de documentos, que William Shakespeare existiu, e que (novamente com base em documentação contemporânea) esse William, nascido em Strarford-upon-Avon, em 1564, e morto na mesma cidade, em 1616, foi autor de peças teatrais, sonetos, poemas líricos e narrativos.
Mas
consta também que, no caso de pelo menos nove das 40
peças a ele atualmente atribuídas em todo ou em
parte, houve colaboração, coautoria. E esse fato
não deve surpreender, pois é notório
que o teatro é um tipo de expressão
artística balizado por colaboração,
assim como é notório que à
época peças teatrais eram encomendadas
não apenas na íntegra, mas também em
partes, por exemplo, no caso da reescritura de cenas ou atos.
5. O senhor traduziu A
invenção do Humano. Baseado nisso, pergunto:
não seria uma postura imensamente redutora de Harold Bloom
associar a Shakespeare tamanho peso e responsabilidade na linha do
cânone literário mundial?
R. Redutora, não, ao contrário: talvez excessiva.
Vejo a tese de Bloom mais como uma postulação
retórica.
6. Simplificando
Shakespeare: qual seria a obra mais indicada para o leitor iniciante e
por quê?
R. Talvez, Sonho de Uma Noite de Verão, ou A Tempestade. A
primeira por ser uma comédia ao mesmo tempo
romântica, pastoral e farserca, leve, muito divertida. A
segunda porque apresenta relações de poder --
metrópole e colônia, senhor e servos,
apropriação e
desapropriação -- que conhecemos bem em nossos
contextos pós-coloniais.
7. A obra de Shakespeare
possui intensa relação com o cinema, vide as
adaptações de Orson Wells, por exemplo. Poderia
citar uma dessas adaptações que mais tenha lhe
chamado a atenção?
R. Sim, o Hamlet e o Rei Lear de Grigori Kozintzev.
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