Aprender com as Diferenças
Emilio Figueira Jornalista, psicólogo, pós-graduado em Educação Inclusiva e doutorado em Psicanálise. Autor de mais de quarenta artigos científicos nesta área e de vinte livros, dentre os quais destaca-se “Caminhando em Silêncio – Uma introdução à trajetória da pessoa com deficiência na história do Brasil”.

O Ensino da "Picologia e Deficiência" nas Faculdades Brasileiras - 18/01/2010
Psicologia e Deficiência - Professor Emílio Figueira

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Em 2006, em minha pesquisa de Bacharelado intitulada “Uma análise dos programas de Psicologia do Excepcional nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil” (orientada pelo Professor Doutor Rinaldo Correr na USC/Bauru), analisei a Formação do Psicólogo no que se refere à orientação dos planos de ensino, de forma particular, às várias esferas do planejamento que se encontram expressos nos documentos oficiais das disciplinas “Psicologia do Excepcional” ou outras denominações correlatas nos cursos de Psicologia que se dispuseram a participar deste estudo.

Nessa pesquisa qualitativa, contando com 25 documentos como objetos de análise, cinco categorias foram focadas. Na primeira, focamos os nomes das disciplinas, semestres e anos em que são oferecidas, assim como suas cargas horárias, percebendo que mais da metade (57%) ainda mantém o título “Psicologia do Excepcional” e são predominantes no 5º e 6º semestres, sendo que a carga horária básica desses cursos é de 60 horas-aulas.

Uma das primeiras indagações que fazemos é: Por que a maioria desses cursos insiste em manter o título “Psicologia do Excepcional”? Não parece, mas por trás de palavras como essas podem estar verdadeiras armadilhas que, mesmo sem sabermos, podem reforçar preconceitos e estereótipos.

A abordagem e a terminologia utilizadas refletem, ao mesmo tempo, a influência na interpretação da sociedade sobre os principais temas de interesse coletivo e acabam reforçando estigmas e posturas preconceituosas transmitidas culturalmente, que podem significar, no mínimo, um empecilho à evolução e ao desenvolvimento social.

Na segunda categoria, focamos as ementas redigidas em cada documento e determinei três subcategorias para análises, buscando alocar, em cada uma, o que cada texto expressou:

Conservadora, observando que muitas tendências antigas ainda se mantêm nesses cursos, principalmente tendências de focar as classificações e conceituações das deficiências, o que até parece ser uma meta principal.

Neutra, concepções que achamos importantes, sendo que o item História ganha grande espaço nisso, pois é importante que o aluno conheça a evolução histórica de tudo que envolveu as pessoas com deficiência, percebendo, por exemplo, como se constroem preconceitos, estimas, processos de exclusão.

Tendências Atuais, abordando a deficiência dentro da realidade brasileira, trabalho, abordagens cognitivas (a ciência tem avançado muito nessa área), legislação, políticas públicas, trabalho, sexualidade, inclusão, diversidade humana.

Na categoria Objetivo, as principais tendências dos objetivos gerais e específicos, o resultado foi basicamente o reflexo das ementas, pois praticamente todas as intenções se repetem, tendo, novamente, um grande foco nas classificações e conceituações.

Na quarta categoria, Conteúdos Ministrados, inicialmente buscamos descobrir os principais tópicos nessas disciplinas. Visando fazer essa identificação, construímos tabelas, extraindo os dados pertinentes a cada documento.

Ao todo, foram elaboradas 19 tabelas, nas quais passamos a mapear os principais tópicos explorados em cada uma. Pelo menos, 18 se repetiram mais de uma vez:

Classificação (44%), Conceituação (25%), história (18%) e estigma (13%). Com relação aos assuntos mais trabalhados, agrupamos oito das principais temáticas que apareceram nos documentos, organizando-as também por percentagens:

Família (21%), Educação Especial (17%), Inclusão (18%), Educação Inclusiva (10%), Integração (10%), Legislação (10%), Trabalho (8%) e Sexualidade (8%).

Focando temas mais voltados para psicologia, a pesquisa revelou: Abordagens Cognitivas (29%), Atuação Profissional (27%), Diagnóstico (20%), Aspectos Psicológicos (17%) e Prevenção (7%).

Na quinta categoria, o foco de análise foram as referências bibliográficas utilizadas nesses cursos, tendo como meta a identificação dos anos predominantes das publicações e dos títulos mais utilizados.

Somando, de maneira geral, o número de referências apresentadas nesses 25 documentos, chegamos ao montante redondo de 500.

Em seguida, ao separarmos os anos predominantes de cada década, pudemos concluir que os anos predominantes das publicações utilizadas pelos cursos de Psicologia do Excepcional ou similares, em ordem decrescente (1997, 1986, 1988, 1993, 2000, 2003, 1979), percebemos uma fraca atualização e/ou produção de documentos e pesquisas mais recentes.

Ao se manterem quase que puramente a classificação e/ou conceitualização do que é deficiência, essas grades demonstram que a formação do psicólogo, no que se refere a essa questão, não apresenta avanço, não estabelece rupturas em termos epistemológicos.

Não transcendem na busca do ser humano por trás de qualquer tipo de limitação: suas reais necessidades, interações sociais, educacionais, relacionamentos familiares e afetivos, necessidades de atividades profissionais e, sobretudo, suas verdadeiras potencialidades a serem estimuladas de forma individual e coletiva.

Talvez, o problema seja o que Ligia Assumpção Amaral chamava de “não familiarização do professor” dessas disciplinas com a temática por eles ministrada, de maneira a apenas se cumprirem um curso obrigatório, exigido pelo currículo mínimo para o funcionamento das Faculdades de Psicologia.

Entre os alunos criou-se o hábito apenas da obrigação de passar por essas matérias como forma de também cumprir currículo: não despertando neles interesse pelo assunto; não lhes mostram o quanto, em suas futuras atuações profissionais, poderão contribuir com a melhora de qualidade da vida de pessoas com deficiência e outras pessoas (por exemplo, familiares) a sua volta; não lhes são apontadas todas as possibilidades de trabalho junto a essa clientela.

É preciso criar mecanismos para estimular professores e alunos nessas disciplinas. Se não avançarmos para além das intenções classificatórias e conceituais da deficiência, no que tange à formação do psicólogo, não conseguiremos construir um espaço para a interdisciplinaridade.

A intervenção psicológica (formação técnica) ainda se concentra no diagnóstico e na classificação, falta-nos uma formação para uma ação processual, que considere o próximo desenvolvimento. Fazendo uma citação livre, é como nos advertiu Vygotsky, já nos anos 1920 do século passado, “todo o ser humano, independentemente do grau de sua deficiência, aprende e se desenvolve”.

A Psicologia, como ciência, passou por diversas transformações. De maneira geral, formou-se um modelo, que primeiro passa pela descrição do comportamento (seguindo padrão positivista) para um modelo, que cada vez mais exige uma dimensão explicativa.

A Psicologia do Excepcional, ao contrário, parece permanecer em uma condição “fossilizada”, sem rupturas. Essa expressão de uma atividade formativa reacionária está em conflito com as dimensões atuais, em que a formação do psicólogo deve estar voltada para a realidade que se transforma ininterruptamente.

Sabemos que, seguindo os padrões estabelecidos e influências internacionais, as pessoas com deficiência sempre foram motivo de classificações por parte da Psicologia.

Através da Arbitrariedade do Grau, atribui-se a um indivíduo se este pode ser considerado “normal” ou “anormal” dentro de um grupo social, devido suas necessidades sociais, educacionais, psicológicas. Todas as ações estariam norteadas pela maior ou menor necessidade de apoio ao desempenho da política social, que é o grau que a deficiência se manifesta nesse indivíduo. Dessa maneira, a deficiência é definida como um conceito socioeducacional, a determinação das variáveis que a identificam baseia-se nas necessidades educacionais especiais dos indivíduos com deficiência.

As normas estabelecidas em nossa sociedade capitalista passaram a classificar todo tipo de deficiência por suas condições intelectuais, físicas ou socioculturais. Nas deficiências mentais, por exemplo, essas pessoas são assim consideradas por terem QI com um padrão abaixo da média (QI 70).

E tais classificações ainda estão embasando a atuação dos psicólogos brasileiros. Temos em torno de 25 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no país. Essa quantidade passou a ter um peso significativo na sociedade.

Pessoas que nas últimas décadas (não contentes com o isolamento social) resolveram “pôr a cara na rua”, visando conquistar o seu lugar no seio social. Presentes hoje em todos os segmentos, deixaram de ser os “coitadinhos” para serem um público consumidor, produtivo, sabedor de onde realmente quer chegar e exigente de bons serviços.

Consequência disso, cada vez mais o contexto social está se vendo obrigado a promover e se adaptar à política da inclusão social para recebê-las, embora isso nem sempre ocorra.

Elas estão cada vez mais presentes nos lugares de lazer, consumindo cultura e outros produtos: em espaços urbanos, as barreiras arquitetônicas – por força de leis - estão começando a serem eliminadas com a construção de rampas, telefones públicos, degraus e guias rebaixadas, construções de elevadores e muito mais; os empresários, atentos às novas tendências, estão criando serviços especializados a essas pessoas; até mesmo os órgãos de comunicação estão abrindo cada vez mais espaço para essa temática.

Precisamos gerar psicólogos mais preparados para atender a essas pessoas, suas necessidades específicas e, em muitos casos, psicólogos para ser o elo dessa inclusão social, mediadores entre o real e o ideal.

Considerando o grande número de pessoas com deficiências no país, hoje em qualquer lugar que um psicólogo for atuar, deparará com esse público:

• Se for para área organizacional, as empresas devem ter uma cota mínima dessas pessoas contratadas.
• No setor educacional está sendo discutido, implementado e garantido por força da lei, a inclusão escolar.
• No setor hospitalar, elas ficam doentes como as demais.
• Na clínica, mesmo se o psicólogo não atender diretamente essas pessoas, atenderá seus parentes.

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