O Novo ENEM revoluciona o Ensino Médio? - 22/09/2009
Cuidado com o andor que o santo é de barro...
A grande mídia propaga aos ventos que o Novo Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, criado para substituir os vestibulares e que, nos primeiros dias de outubro fará sua estréia, constitui uma revolução. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, como nos diz sábio provérbio popular. Vamos com calma, é preciso cuidado com o andor que o santo é de barro, nos ensina outro dito comum entre a população...
Revoluções por decreto não existem. A própria compreensão do termo revolução, desgastado pelo tempo, é errônea, pois não se configuram, com tais mudanças e reformas previstas com a adoção do Novo Enem, nem mesmo uma esperada virada de mesa na educação brasileira, quanto menos na sociedade, conforme preconizam os preceitos marxistas acerca de tal vocábulo...
É certo que a adoção deste novo modelo de avaliação dos saberes relativos ao Ensino Médio como elemento decisivo para o ingresso dos estudantes em universidades (públicas e particulares), com grande adesão já a partir deste ano, constitui inovação necessária, preconizada e esperada por muitos educadores, entre os quais me incluo.
Mas daí a pensar que automaticamente isto acarretará modificações estruturais nas escolas brasileiras, em especial nas redes públicas, é ir além do próprio sonho, saindo dos limites da sensatez e embarcando em autêntica utopia...
Superar a cultura estabelecida nas redes, de base conteudista e tradicionalista, exige muitas outras ações complementares, não apenas a adoção de exames de admissão às universidades com base em provas que exigem mais dos alunos. A forma de preparação destes alunos para estes exames e - em especial - para a vida, demanda a revisão de todo um modo de pensar, agir e realizar em educação que tem décadas de existência no país.
O Novo Enem cria, por certo, demandas que não existiam. Obriga as escolas a repensar suas bases. Exige dos professores uma série de posturas que antes não lhes eram regulares, comuns, peculiares. Estipula a necessidade de leitura e atualização constante por parte dos estudantes (e, em contrapartida, pelos educadores com os quais estarão trabalhando). Propõe, através de suas questões, o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de relacionar, da possibilidade de ir além da mera memorização de fórmulas e dados.
A interdisciplinaridade (ou ao menos a multidisciplinaridade) entra em cena. A necessidade de ir “além dos muros da escola” (título de uma excelente produção do cinema francês sobre educação, premiado em Cannes) com viagens, leituras, filmes, exposições, músicas, poesia, artes plásticas, navegação por sites com conteúdo inteligente e desafiador, entre outras ações, se torna premente e permanente...
É certo que tudo isto é grandioso se analisarmos a realidade e os problemas que envolvem o Ensino Médio público no país, sempre visto como “preparação para o vestibular”. As redes privadas, cientes do fato, já se mexem e, como é possível ler em matérias publicadas nas últimas duas semanas pelas revistas Veja e Isto é, pretendem implementar linha de ação que busque preparar o seu aluno para esta nova demanda.
Mas ainda assim, tendo esta perspectiva, muitas delas erram no alvo porque assumem esta nova “atitude” de olho nos resultados do Enem, sem ir além de forma proposital, ou seja, sem perceber que a formação ampla, crítica, cidadã, ética, multidisciplinar pretendida é que é o principal objetivo... Continuam preparando mais para uma prova – que é imediata a seus olhos e demais sentidos – do que para a vida, os relacionamentos, o trabalho, a felicidade...
Ir além da concepção vigente e entender que os saberes não são dissociados, que as áreas têm relações diretas e indiretas é outro desafio. Reunir os conhecimentos em grupos como Ciências Humanas, Matemática e Ciências da Natureza, Códigos e Linguagens (entre os quais se incluem as artes e a educação física) é mudança importante, que traz qualidade a educação. O problema é não percebermos que também entre estas áreas há canais de comunicação constantes e obrigatórios e repetirmos antigos erros isolando-as...
Isto sem contar que para aproximar e tornar regular o trabalho conjunto e cooperativo, em ligação direta, entre os professores - separados em suas “caixinhas do conhecimento” - compartimentos de saber, como dizia Paulo Freire, vai ser ainda tarefa das mais árduas...
Agora, imaginem que se as redes privadas, já conscientes da necessidade de mudança e em movimento quanto a isto, estão tentando acertar e continuam a cometer alguns erros de percurso, pensem como vai ser para as redes públicas...
A revolução do Novo Enem só tem sentido e efeito real se as alterações não se limitarem à aplicação deste novo elemento de avaliação. É preciso preparar os professores, equipar as escolas (laboratórios de ciência, bibliotecas, salas de informática, quadras...), reformular os materiais didáticos existentes, repensar e aplicar novos currículos nos cursos de licenciatura que já prevejam esta nova forma de pensar o Ensino Médio, expandir os limites da escola com a proposição de ações externas (ida a cinemas, museus, shows, exposições, mostras...)...
Entre a prova que irá ser aplicada no início do próximo mês de outubro de 2009 e uma revolução no ensino médio brasileiro há anos-luz de distância que nenhum aparato tecnológico já criado pela humanidade permite percorrer em tão curto espaço de tempo... Tal realização demanda muitos outros elementos propulsores que, se ainda parecem ficção, dependem apenas de muito trabalho, estudo, planejamento e confiança para se tornarem realidade...
Obs.: Seguem links para reportagens das revistas Veja e Isto é, que contêm dicas e informações válidas para o estudo e preparação dos estudantes resolverem o problema mais imediato que tem pela frente, a avaliação de outubro.
Revolução na Escola – Artigo da Revista Isto é.
Vai mudar tudo, menos o mérito – Artigo da Revista Veja
1 Delamare - Guaratinguetá: SP
É um conteúdo que valeu a pena ler, por mostrar que a Educação está em constante mudança e o ENEN tem contribuido para isto. Estou curioso para saber como será o Ensino Medio daqui a mais ou menos 10 anos?
26/09/2009 19:07:44
2 Valdir de Oliveira - CabreuvaSP
Gostei do ponto de vista. Como Diretor de Escola e Professor de Matemática, tenho o cuidado de preparar o aluno para a vida na busca do bem sem detrimento da transmissão de conhecimentos, nosso papel na escola. Um abraço. Valdir!
24/09/2009 18:21:14
3 Paulo Celso de OLiveira Coelho - Ubatuba
Parabéns pelo texto.
Estamos esperando que esse processo avaliativo e idicador de acesso mude o que vem sendo feito em relação a Educação no Brasil. Mostrar o caminho mais curto para o sucesso, garantido pelos diplomas. Ainda não conseguimos valorizar os bons profissionais dentro das diversas áreas de atuação. O diploma não garante o bom profissional, mas o valoriza. Gosto de pensar em habilidades e acreditar que todos tem o direito de evoluirem em seus pontenciais. A escola não pensa assim. Por isso continuam falando Menino sente e preste atenção, isso sim, vai ser importante para sua vida.
22/09/2009 20:37:29
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