O Incêndio da Oficina - 17/08/2009
Luís Campos
- Senta aí, Seu Zé!
- Brigado, dotô!
- E aí, Seu Zé... o que o Senhor viu?
- Eu num vi nada, num ouvi nada e num sei di nada, Seu Dotô!
- Mas o Senhor viu o incêndio?
- Craro, Seu Dotô... eu e mais o povo du Areal vimu tudinho!
- E o Senhor sabe como o fogo começou?
- Sei não, Seu Dotô!
- Mas o Senhor não é o vigia da oficina, Seu Zé?
- Sou não, Seu Dotô!
- Como não, Seu Zé? Os policiais disseram que o Senhor era o vigia da oficina!
- Pois é, Seu Dotô... agora num sô mais... num tem mais oficina pro mode di vigiá!
- Sei, Seu Zé! Quando o fogo começou, onde o Senhor estava?
- Bem longe du fogo, Dotô!
- Não é isso, Seu Zé... eu quero saber onde o Senhor estava, um pouco antes do fogo começar!
- Ah! Sentado nu tamburête qui sento quando tô trabaiano!
- Fora ou dentro da oficina, Seu Zé?
- Dentro, uai! Seu Dotô já viu vigia vigiá di fora du trabaio?
- E o que o Senhor estava fazendo naquela hora?
- Vigiando, craro!
- Só isso, Seu Zé?
- Bem... eu tava iscuitando o jogo du Bahia... e drumi um poquinho!
- Desde quando vigia pode dormir em serviço, Seu Zé?
- Pudê, num podi, mas nois drome!
- Está bem, Seu Zé. O Senhor sabe se o fogo foi causado por uma faísca elétrica?
- Acho qui não, Seu Dotô! As luz tava tudinho disligada!
- Teria sido causado por uma ponta de cigarro?
- Acho qui não, Seu Dotô! Ninhum dus homi tava fumano!
- Quais homens, Seu Zé?
- Os qui entrô na oficina, uai!
- E como eles entraram na oficina, Seu Zé?
- Quatro andano e um dirigino a kombi!
- O portão não estava fechado, Seu Zé?
- Tava sim... mas eu abri!
- E o Senhor conhecia esses homens, Seu Zé?
- Nem os dois gordinho, nem os dois magricela... só Seu Paleta!
- E quem é esse Paleta, Seu Zé?
- Meu pratão... dono du meu trabaio!
- Seu patrão estava com os homens, Seu Zé?
- Craro... sinão eu nunca qui chegava perto du portão, né?
- E por que o Senhor abriu o portão, Seu Zé?
- Pruque Seu Paleta num pudia abrí!
- Mas ele não tem a chave do portão, Seu Zé?
- Inté qui tem... mas cum as mão pá trás num ia mermo pudê abri, né?
- Então seu patrão estava com as mãos amarradas atrás das costas?
- Eu disse isso ingorinha mermo!
- Mas, então por que você abriu o portão, Seu Zé?
- Pru modi di num morrê, né?
- O Senhor foi ameaçado pelos homens, Seu Zé?
- Craro qui fui... tava tudo di trabuco na mão e o sarará mandô qui eu abrisse, sinão eu morria!
- Então o Senhor abriu o portão?
- Craro, Seu Dotô... num tá veno eu aqui vivinho?
- Eu sei, Seu Zé. E depois que os homens entraram, o que eles fizeram?
- Eu num vi nada dispois qui eles butaram a kombi pá dentro e ficaro tirano umas latas di prástico di dentro da kombi e derramano nus canto da oficina!
- E por que não?
- Pruque o moreno com a cicatriz na testa mandô qui eu mi picasse!
- Então o Senhor saiu correndo?
- Nem o Sinhô ficava, Seu Dotô, num lugá cum chero di gazulina danado daquele!
- E o Senhor saiu na mesma hora?
- Logo dispois qui aquele zarôio chegô junto di eu e disse qui eu num vi nada, num ouvi nada e qui fosse pá casa!
- Então o Senhor foi para sua casa?
- Fui, mas vortei logo, Seu Dotô!
- E por que não ficou em casa, Seu Zé?
- E nois ia perdê um ispretáculo daquele, Seu Dotô?
- Nós quem, Seu Zé?
- Eu e a Zefa!
- Mas Seu Zé... o Senhor pode ter perdido seu emprego!
- Craro qui perdi... num tenho mais pratão!
- Seu Paleta dispensou o Senhor, Seu Zé?
- Não, Seu Dotô... ele morreu no fogaréu! Só num gostei du fedô di churrasquinho queimado! Inda bem qui num gosto di carne!
- Mas Seu Zé... o Senhor vê seu patrão morrer queimado e, mesmo assim, ainda fica por lá olhando o incêndio?
- Mas tava um fogão bunitoso cuns trens pipocano qui nem guerra di ispada, cumo qui vi in Cruiz das Armas! Muinto do lindoso! Inté Zefa gostô da belezura do fogo!
-Ok, Seu Zé! Libera o homem, Escrivão!
- A prosa inté qui tava boa, Seu Dotô! Té mais vê!
Fim
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