Adoção e preconceitos - 31/07/2009
Francisco J. Lima
O comentário abaixo, jamais publicado, deveu-se a uma matéria jornalística a respeito da adoção. Entretanto, ainda é pertinente, tal qual tivesse a matéria sido publicada esta manhã.
Assim, se você ainda não se deu a oportunidade de conhecer uma casa de “crianças abandonadas”, sim, abandonadas, não as continue abandonando, visite-as! Quem sabe assim, você será amada por uma delas.Caro Editor:
Não obstante estejamos em 2006, ainda vemos repercutir a ideia de que adoção é para pais que não podem ter filhos biológicos; que filhos a serem adotados são “mercadorias” a serem escolhidas pelo seu perfil, ou valor de mercado (crianças novas valem mais que as mais velhas, brancas valem mais que negras, sem deficiência valem mais que com deficiência).
Matérias jornalísticas, sem perceber, corroboram com a manutenção dessas ideias, quando transcrevem esses estereótipos.
Está na hora de que se proporcione a oportunidade de as pessoas conhecerem crianças, para o surgimento do afeto que será a mola propulsora do sentimento da adoção. É assim que ocorre com o filho biológico; tem-se um tempo para se aprender a gostar do bebê, independentemente de como será este filho. Um bebê adotado não tem menos valor ou valia que um bebê advindo da relação sexual de seus pais, mas tem o grau de afeto que assim for permitido ter, advindo do convívio, da quebra de preconceitos, do amor dado ao filho etc.
Então, meu caro editor, já é hora que se revejam posturas do relato jornalístico, pois, em sua liberdade de expressão, o jornal é formador de opinião. Assim sendo, é responsável pela transformação da opinião vigente, mormente, quando esta está sutilmente refletindo as ideias preconcebidas e inadequadas sobre o que é adotar e que movimentos devem estar sustentando uma adoção, isto é, não a incapacidade de se ter filho biológico, mas a capacidade de se ter um filho.
Já foi o tempo em que se matava o filho de sangue de quem ofendia; e se apreciava o filho de um indivíduo valoroso, porque este “era sangue de seu sangue”. Afinal, Jesus, era do sangue de José? Isso teria impedido José de o amar?
Que se acabe com essa tolice de que se é preciso saber quem são os pais geradores, para que se decida se essa criança pode ser adotada, sem que se corra o risco de ela vir a ser um “problema” em potencial. Certamente, os filhos não adotados, filhos de sangue, incorrem no que os pais não desejam na mesma proporção que os filhos adotados.
Logo, passemos a tratar o adotar, a adoção e o filho adotante como filhos a se ter e não como entidades diferentes a se ter.
Não se deve adotar por dó ou pena, da mesma forma que não se gera um filho por dó ou pena do espermatozoide ou do óvulo. Adota-se porque se é capaz de amar e ser amado.
Viva as crianças, os jovens e os idosos, pois estes (assim como ocorrem com as crianças mais velhas) não são adotados, por conta de nossa visão hereditária e etária.
Lembre-se de que o amor não está no sangue, mas simbolicamente no coração e, cientificamente, no cérebro.
A escolha, portanto, da adoção está dentro de você e do filho que o vai adotar, e não no fenótipo ou na genética de ambos.
Cordialmente,
Francisco J. Lima – Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos/CE/UFPE e pai adotado (por amor) por Matheus
Fonte: Disdeficiência (http://blog.disdeficiencia.net/2008/08/24/adotar-nao-e-comprar-um-par-de-sapatos/)
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