Universo Escolar
 

Pessoas que não aprendem com seus erros - 31/07/2009
Fernando Reinach

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"Gato escaldado tem medo de água fria." O ditado é um exemplo de como aprendemos com uma experiência desagradável. Mas também é possível aprender com experiências agradáveis. É o que ocorre com uma criança que é elogiada toda vez que arruma a cama. Em nossa vida, somos submetidos às duas formas de estímulos. Aprendemos com a punição que sofremos quando erramos e com as recompensas que recebemos quando acertamos.

A novidade é que um grupo de cientistas alemães demonstrou que pessoas que possuem em seu cérebro uma forma específica de um determinado gene têm maior dificuldade em aprender com seus erros (punição). O curioso é que essas pessoas aprendem com a mesma facilidade que o resto da população quando submetidas a estímulos positivos (recompensa). Essa é a primeira vez que se demonstra o efeito de um gene sobre nossa capacidade de aprendizado.

O gene em questão é um receptor de dopamina chamado D2. Faz tempo que se sabe que a dopamina influencia nosso comportamento. Grande parte dos remédios contra depressão atua alterando a quantidade de dopamina presente no cérebro. Todos nós possuímos duas cópias desse gene, mas algumas pessoas possuem uma forma ligeiramente alterada chamada de A1.

Pessoas com a forma A1, apesar de serem absolutamente normais, têm menos receptores de dopamina em algumas regiões do cérebro. É como possuir mais ou menos pigmento na pele, uma variação dentro da normalidade.

Os cientistas compararam 12 pessoas que não possuíam a forma A1 (A1-) com 14 pessoas que possuíam a forma A1 (A1+). Todas foram submetidas ao seguinte teste: uma tela mostrava dois símbolos desconhecidos e a pessoa deveria escolher o símbolo correto. De início, a pessoa não sabia qual era o símbolo correto e tinha que escolher ao acaso. Quando acertava, ela era recompensada com o aparecimento na tela de uma face risonha (reforço positivo). Quando errava, aparecia uma cara tristonha (reforço negativo). Isso foi repetido centenas de vezes com três pares de símbolos, sendo que em cada par havia um símbolo correto e outro errado. Após o treinamento, todas as pessoas, independentemente de serem A1+ ou A1-, eram capazes de acertar com igual frequência o símbolo correto em cada um dos três pares.

Numa segunda etapa do experimento, os seis símbolos foram novamente apresentados às pessoas, mas agora eles eram misturados ao acaso e mostrados dois a dois. Nessa fase, os voluntários eram instruídos a evitar escolher os símbolos errados. O resultado foi surpreendente. Os voluntários sem o gene alterado (A1-) foram capazes de evitar o símbolo errado em mais de 70% dos casos, enquanto as pessoas do tipo A1+ evitavam os símbolos errados em somente 50% das escolhas (o que praticamente equivale a uma escolha aleatória). O resultado demonstra que essas pessoas têm uma dificuldade em aprender a partir de reforços negativos.

O mais interessante é que esses dados podem explicar uma correlação bem conhecida entre a redução da quantidade de receptores de dopamina e a propensão ao alcoolismo, ao abuso de drogas e ao jogo. O que se acredita é que essas pessoas, por terem mais dificuldade de aprender com experiências negativas, ficam mais suscetíveis a esses distúrbios. Se isso for verdade, as implicações morais e judiciais da descoberta são enormes. Uma pessoa pode ser julgada culpada se seus genes a impedem de aprender com seus erros?

Mais Informações em: Genetically determined differences in learning from errors.  Science vol. 318 pag. 1642  2007

Fernando Reinach - biólogo -fernando@reinach.com

Fonte: Estadão (http://reinach.com/Estado/Colunas/2008/183-080508-Estadao-08-05-2008.doc)

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