Livro na roda - 29/07/2009
Leitura para todos
"Livros literários com formatos acessíveis a crianças cegas são boas alternativas para professores que desejam pôr em prática um trabalho pedagógico inclusivo". (Andrea Souza)
Um livro que pode ser lido pelos olhos e pelas mãos. Movida pelo amor à escrita e pelas limitações que a baixa visão lhe impôs desde criança, a escritora mineira Elizete Lisboa é autora de livros infantis, por ela chamados de “duas escritas”. Confeccionados em Braile e com letras convencionais do alfabeto, as obras trazem histórias sobre o mundo imaginário de animais e bruxos. Foi o formato acessível de seus livros que permitiu que Laura, 9 anos, e Mateus, 10 anos, dois irmãos de Belo Horizonte (MG), pudessem ler juntos as aventuras escritas por Elizete. Enquanto Mateus, cego congênito, acompanha os pontinhos em alto relevo, Laura corre os olhos sobre as letras impressas em tinta.
O Censo da Educação Básica 2008 mostra que a realidade da educação inclusiva tem apresentado avanços. Os dados da pesquisa indicam que o número de instituições de ensino regular que atendem, ao mesmo tempo, alunos com ou sem deficiência superou a quantidade de escolas especiais.
No entanto, apesar de ser cada vez maior a procura por livros em formatos acessíveis a crianças com deficiência visual, a publicação deste tipo de material ainda é restrita. Segundo Elizete Lisboa, não é fácil encontrar editoras interessadas em produzir obras que atendam a leitores videntes e não videntes ao mesmo tempo, já que ainda há dúvidas em relação ao retorno financeiro deste mercado consumidor.
“São poucos os livros disponíveis nesse formato. Quando você busca qualidade, é ainda mais difícil encontrar esse tipo de obra”.
Para tocar, ler e ouvir.
Autora de cinco livros infantis, Elizete Lisboa conta que uma de suas maiores preocupações é despertar nas crianças o prazer pela leitura. Para isto, ela busca uma escrita literária, que chame a atenção delas.
“Minha função é ajudar a formar leitores, e acho que isso acontece a partir das experiências positivas que a criança vai ter com os livros. Por isso, a história tem que ser divertida, as pessoas têm que ter vontade de ouvir outra vez.” Para atrair ainda mais os sentidos do público mirim, suas obras apresentam belas imagens misturando os traços em tinta aos pontinhos em alto-relevo.
Atuando no mesmo ramo dos formatos acessíveis a pessoas com deficiência, a escritora e jornalista Gisele Pecchio procura alcançar um número cada vez maior de leitores e, para isso, disponibiliza seus livros em áudio, Braile e tinta. A Coleção Toby, lançada em 2003, é publicada pelo Instituto de Cegos Padre Chico, localizado na cidade de São Paulo (SP). O terceiro e último livro publicado, Uma aventura na Amazônia – Raycha, acaba de ser lançado. A obra contou com o suporte do geógrafo brasileiro Aziz Ab´Sáber, que também se transformou em personagem da história.
Ao abordar a temática ambiental, Gisele procura, junto a seu protagonista, o cachorro Toby, transportar as crianças para as paisagens da Mata Atlântica, local onde o animal vive suas aventuras. A partir de uma linguagem descritiva e cuidadosa, a autora busca estimular a imaginação das crianças, principalmente daquelas com deficiência visual.
“Procuro descrever os cenários, dar o entendimento das cores, dos cheiros, dos lugares. Apenas fazer pontilhados para representar uma manga, por exemplo, não é a mesma coisa que escrever o texto e provocar sensações por meio das palavras”, avalia. Dessa forma, um livro que utiliza mais de uma linguagem para registro, também passa a contemplar, na própria textualidade, pistas para que se possa imaginar objetos e sensações representados.
Dentro e fora da sala de aula
Rótulos, placas e letreiros. Para ter contato com o mundo da escrita, basta abrir os olhos. No entanto, como ficam as crianças cegas nesse meio? Alfabetizadora de Braile e cega, Maria da Conceição Dias Magalhães diz que a falta de experiências com a escrita pode dificultar o aprendizado das crianças com deficiência visual. Por isso, é importante buscar alternativas que possibilitem o contato delas com elementos do seu cotidiano, como os números do elevador ou o simples cardápio de um restaurante.
A professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora na área de educação inclusiva, Priscila Augusta Lima, conta que quanto mais os pais, professores e outros mediadores proporcionarem às crianças com deficiência visual diferentes vivências e interações, maior será o desenvolvimento delas.
“É importante deixar a criança ir à biblioteca, à casa dos colegas para estudar, fazer grupos de estudo na escola, ir ao clube, ter vivências. A criança que fica restrita, fica comprometida. Ela precisa viver como as outras, sair e brincar.”
Os livros em formatos acessíveis aos cegos têm possibilitado a crianças videntes e não videntes uma rica troca de experiências em sala de aula. O professor pode fazer atividades de modo a estimular a participação oral de todos os alunos, inclusive dos que não enxergam. Convidar as crianças a discutirem as histórias ou a emitirem opiniões sobre o texto lido é uma forma de pôr em prática a capacidade de síntese e organização das palavras.
“A oralidade precede a escrita, é algo importante de ser trabalhado. Assim, acredito que o aluno cego traz uma contribuição muito grande para a sala de aula. À medida que um colega está descrevendo figuras, desenhos, objetos e personagens, ele está oralizando, dando pistas, e isso é muito importante nas primeiras etapas da alfabetização”, pondera Maria da Conceição.Fonte: Letra A - Jornal do Alfabetizar (Belo Horizonte, março-abril de 2009 - ano 5 - no. 17)
1 Jacqueline Schalm - Blumenau, SC
Gostaria de entrar em contato com esta educadora que escreveu o Artigo, pois estou fazendo um trabalho de pesquisa no curso de pós graduação com contação de histórias para crianças cegas. Agradeço, Jacqueline Schalm.
20/06/2011 13:59:45
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