Possibilidades do Cinema no Ensino Fundamental - 15/07/2009
Aprendendo com Shrek, High School Musical e Os Simpsons
Há alguns meses concedi entrevista para a revista da Saraiva sobre o uso de filmes na escola entre o público escolar, mais precisamente quanto aos estudantes do Ensino Fundamental. Resgato estas perguntas e respostas pensando em ampliar a discussão através da web, pelo portal Planeta Educação, sobre a importância e as possibilidades de uso dos filmes na escola.
1) Um dos grandes sucessos recentes aqui no Brasil e em outros países é o High School Musical. No seu artigo, você fala sobre algumas questões que o filme levanta, como o respeito das diferenças, as tribos que se formam nas escolas, entre outros. O senhor acha que essas questões são percebidas pelas crianças sem ajuda de pais ou professores?
JL – São mais percebidas pelas crianças, pré-adolescentes e adolescentes do que pelos adultos em geral, inclusive pais e professores. O fato é que elas convivem nas escolas, entre seus pares, com questões como tribos, diferenças, intolerância, dificuldades de adaptação ao se transferirem de uma instituição para outra... E, por conta dessa proximidade quanto a essas situações, precisam encontrar respostas que os auxiliem a enfrentar as durezas cotidianas sem poder contar com o apoio dos pais e, muitas vezes, prescindindo até mesmo dos professores no espaço escolar. High School Musical se tornou um sucesso merecido, pois trata questões sérias de forma leve, idílica, idealizada – bem ao estilo da Disney, empresa que o produziu. Parece descompromissado, mas consegue divertir ao mesmo tempo em que propaga uma mensagem positiva, que nos faz acreditar no diálogo, nas boas relações entre as pessoas, na compreensão e no respeito à diversidade.
2) O senhor acha que deva existir um acompanhamento dos pais para que as crianças percebam o que podem aprender com a história? Se sim, como poderia ser este acompanhamento?
JL – A compreensão dos temas trabalhados em High School Musical, assim como nas melhores produções destinadas ao público infanto-juvenil (como Shrek, Ponte para Terabítia, Menino Maluquinho, Os Sem-Floresta, O Rei Leão...) independe, ou pelo menos deveria, da presença física dos pais. O que quero dizer com isso? Que a formação dada pela família ao longo do tempo deve ser bem-realizada, dando aos filhos a condição de interpretar, avaliar, pensar e criar em cima dos produtos culturais com os quais venham a ter contato – sem que para isso seja fundamental a presença de qualquer adulto. O mesmo deveria acontecer em relação à escola. Educar para a autonomia, os voos próprios, sempre buscando ir mais longe é dever da família e dos educadores. No entanto, como educador e pai de duas crianças que têm entre 10 e 11 anos, considero fundamental que saibamos o que nossos filhos assistem ou leem, com quem se relacionam, quem são seus professores, se praticam atividades físicas regulares, como se alimentam... Penso também que programas em família são ótimos e, quando relacionam lazer e cultura, melhores ainda. Por isso eu e minha esposa, que é orientadora-educacional e psicopedagoga, sempre queremos participar da vida de nossos filhos e ajudar aos mesmos dando-lhes sugestões, partilhando ideias, respeitando seus posicionamentos, escutando suas críticas, permitindo leituras de mundo...
3) Shrek é um filme de estrondoso sucesso entre crianças e adultos. Como o senhor acha que é a percepção das crianças em relação a esta história de conto de fadas que elas não estavam acostumadas a ver?
JL – Shrek é fruto típico da contemporaneidade, em que o acesso à informação é rápido e farto. A releitura feita através do desenho quanto aos contos de fadas tem estreita relação com a necessidade atual de superarmos a intolerância, o racismo e o preconceito em geral. A inversão dos valores dominantes socialmente, aqueles que preconizaram durante muito tempo que os “mocinhos” eram sempre os ocidentais, de preferência norte-americanos, com cabelos e olhos claros, de boa estatura – cai por terra de forma irônica já no primeiro Shrek, com o príncipe malvado que é baixinho, tem cabelos escuros e, principalmente, que é tão maldoso que chega mesmo a “torturar” o homem-biscoito... Enquanto, por outro lado, os vilões que durante algum tempo foram os inimigos das frentes de batalhas mundiais (como os japoneses, alemães ou os russos) e que, mais modernamente, são identificados como os mulçumanos – numa triste e infeliz radicalização dos meios de comunicação de massa que dominam o cenário mundial (em especial os norte-americanos) – podem ser percebidos no ogro medieval, abrutalhado, forte como vários homens, verde da cabeça aos pés e que, a despeito de sua forma pouco usual, é justo, tem bom coração, demonstra várias vezes ser honrado e ético... Essa percepção que lhe apresento, com toda a velocidade da informação no mundo em que vivemos, pode ser concebida a partir das palavras e interpretações das crianças. Elas logo entenderam a mensagem do filme. Posso assegurar-lhes isso com base em e-mails que recebo comentando o artigo que escrevi sobre o filme, assim como a partir da visão de meus próprios filhos.
4) Quais são as características gerais que o senhor identifica nos filmes feitos para crianças nos dias de hoje? O que os diferencia de filmes dirigidos a este público algumas décadas atrás?
JL – Sobressaem à inteligência, o humor fino e a estreita ligação entre o que aparece nos desenhos e produções para o público infanto-juvenil e a realidade do mundo em que vivemos. As situações cômicas ou mesmo as mais dramáticas remontam a literatura, as notícias dos jornais, ao uso da tecnologia, a situações vividas nas salas de aula, ao que comemos ou mesmo as relações familiares. Vejam, por exemplo, casos como o do desenho O Rei Leão, que tem como base a produção de William Shakespeare, ou ainda Os Simpsons (tanto na televisão quanto no cinema) – que ironiza ao extremo a estrutura familiar e social norte-americana. No caso de Os Simpsons, trata-se de uma produção que inicialmente destinava-se prioritariamente ao público adulto, mas a repercussão entre as crianças e adolescentes é enorme – demonstrando a empatia provocada em relação a um produto cultural mais elaborado, crítico e irônico do que, a princípio, imaginávamos que essas faixas etárias iriam apreciar. Isso não quer dizer que as produções passadas não contavam com essas qualidades, se bem que no caso da estreiteza com a realidade fosse muito pequena... O que acontecia é que as produções eram mais ternas, adocicadas e destinadas a um público infanto-juvenil que tinha muito menos estímulo cultural do que hoje em dia.
1 Rafaela Theodoro Mediadora do Municipio de Guaratinguetá - Guaratinguetá
Muito bom o artigo, pois os desenhos animados proporciona a criança a ir ao mundo da imaginação por alguns instantes, sendo assim esquecendo um pouco a realidade, o mundo tão sofrido que vivemos nos dias de hoje.
16/07/2009 18:36:28
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