Depoimentos - 12/03/2009
Tânia Cunha e Deise Fernandes
Tânia Cunha
Fiz o curso de Direito já cega e se não fosse minha mãe a ler e gravar os livros durante os cinco anos da faculdade, realmente eu não teria condições de terminar o curso. Também fiz duas pós-graduações nestas mesmas condições, uma em Direito do Estado e outra em Educação Especial. Igualmente para fazer o concurso público para o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso do Sul onde trabalho desde 1989, dependi de minha mãe que incansavelmente gravou toda a matéria para o mencionado certame no qual obtive o terceiro lugar na lista geral. As tecnologias trouxeram um grande avanço para nós deficientes visuais, todavia ainda estamos na dependência das outras pessoas e também de instituições que embora bem intencionadas, não atendem as nossas necessidades.
Cite-se exemplificativamente a Fundação Dorina que com o programa LIDA, atraiu para si toda a responsabilidade de resolver os problemas de leitura das pessoas cegas brasileiras. Entretanto, cada pessoa tem uma realidade diferente e, como no meu caso, pouco tempo disponível para ler e aprender novos comandos. O sistema LIDA nos impõe inúmeros comandos que temos que decorar além de apresentar -se numa voz difícil de entender. Também não nos proporciona a possibilidade de verificar a grafia de palavras desconhecidas e de copiar os textos dos livros para uma monografia, citando logicamente a página e a autoria, fazendo com que a nossa produtividade caia em todas as áreas, em particular, a profissional e a acadêmica.
Além disso, o atendimento é precário, como não poderia deixar de ser, visto que as solicitações devem ser numerosas.
Não seria mais fácil as editoras disponibilizarem os livros digitais em Word e os nossos programas como o Virtual ou Jaws efetuarem a leitura? Qual a razão das editoras acharem que nós cegos não temos a responsabilidade de comprar um livro digitalizado e não repassá-lo?
O fato é que as barreiras do poderio econômico mais uma vez impedem o ser humano de crescer intelectualmente e de se realizar como pessoa, desrespeitando a nossa dignidade.
A política nacional do livro consubstanciada na lei n.º 10753/2003 nos garante este acesso, falta transformar a retórica legislativa em condições de real acesso à leitura.
Por isso, avante, vamos lutar incansavelmente por nossos direitos, especialmente ao da acessibilidade à informação e ao conhecimento.
Meu nome é Tania Cunha
Contato: tania.cunha@tre-ms.gov.br
Deise Fernandes
Quando vejo meu filho, Mateus, hoje com 20 anos, cursando Técnico em Massoterapia no SENAC, alegre, com muitos amigos, cheio de vida e de entusiasmo pelos desafios, seguro, centrado e feliz, chego a duvidar de tudo o que passamos juntos.
Desde muito pequeno percebemos que o Mateus tinha comportamentos diferentes, particularmente na escola. Procuramos por profissionais, indicados pelos professores, e foram inúmeras as consultas, com os mais diferentes e complexos diagnósticos, com as mais diversas tentativas de tratamentos, sem nenhum ou pouco resultado.
Durante esses anos o sofrimento do Mateus era indescritível, porque não se entendia, tinha recriminações de todos os lados, e sua auto estima era baixíssima. Só aos 14 anos que conseguimos o diagnóstico definitivo, Dislexia Severa.
Foi a melhor coisa que nos aconteceu. Principalmente ao Mateus. Pelo menos sabíamos o que lhe acontecia.
A partir daí, começamos o resgate de tudo o que tinha se quebrado ou distorcido. E como todos sabem, a dislexia tem como sintoma central a dificuldade de ler e escrever. Para quem consegue fazer isso sem dificuldades, não imagina os transtornos e constrangimentos que isso traz para quem não consegue. Pois bem, sou cega e me utilizo de um software ledor de telas, que permite que eu leia os meus livros em formato digital por meio de voz sintetizada no computador.
Foi então que percebemos que esse sistema o ajudava também, a medida que facilitava imensamente o seu contato com a leitura pela associação da audição com a visão simultânea do texto na tela.
Assim, meu filho conseguia ouvir/ler os livros indicados pela escola, e quando em sala de aula, participava dos debates, começou a conquistar um espaço anteriormente nem sonhado junto aos professores e amigos de classe, conseguindo demonstrar seu potencial intelectual, porque é comum os disléxicos serem vistos como pessoas com baixa cognição.
Meu filho então começou a ter segurança para se aproximar e conversar com os amigos e professores, porque se sentia em condições de participar mais das atividades escolares. Hoje, com o auxílio do software leitor de telas e com os livros digitalizados, que infelizmente eu mesma tenho que produzir, transformando os livros convencionais que compro, linha por linha, página por página por meio do meu scanner, ele, assim como eu, nos tornamos cada vez mais competentes, mais informados e mais seguros do nosso potencial e da nossa responsabilidade para com nós mesmos, com nossa família e com a sociedade".
Deise Fernandes
Consultora de Recursos Humanos da CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz
E-mail: deise@cpfl.com.br
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