As aventuras de José - 12/02/2009
Contadas por Narli, sua mãe
Nosso maior presente chegou para nós com 5 dias de vida, num cesto de pão forrado de travesseiros e um edredom. Era para se chamar Moisés, mas por discordâncias familiares escolhemos José (aquele da Bíblia). Tudo foi normal até que ele não sentou como toda criança e aí começou nossa batalha para descobrir o que estava errado.
Passaram-se sete longos anos e muitas internações, até que fechamos seu laudo médico: deficiência mental provocada por sofrimento fetal com algumas hipóteses, como sífilis, rubéola ou tentativa de aborto mal executada, graças a Deus. Nunca saberemos de fato o que ocorreu e depois de passado o susto da notícia, resolvemos investir em seu desenvolvimento global.
Com o passar do tempo decidimos mudar para uma cidade menor, onde as relações pessoais são mais humanas e afetivas. Após inúmeras idas e vindas, lembramos de onde passamos nossa lua de mel. Voltamos aqui várias vezes e decidimos ser esse o lugar para viver melhor nossos dias.
Então deixamos o Rio de Janeiro para trás e nos mudamos para Miguel Pereira, uma pequena e pacata cidade de serra, que tem nos proporcionado uma qualidade de vida efetivamente muito melhor que nos grandes centros, apesar dos preconceitos que ainda encontramos por aqui.
Ao chegarmos aqui depois de termos perdido meus pais, fomos surpreendidos por uma escola pública de péssima qualidade, que tinha fama de ser modelo de inclusão, e que tratou nosso José como se fosse um criminoso perigoso, sem direito à socialização e sempre escoltado por "professoras". Quando descobrimos tal tratamento fomos à Secretaria de Educação e fizemos nosso protesto mas, como de nada adiantou retiramos o José e só encontramos apoio da APAE, que o acolheu com carinho.
Após esse “tsunami” em nossas vidas, as coisas foram se normalizando.
Compramos um belo sítio, onde ele é o rei; compramos cachorros, canários e outros bichos, acertamos com uma excelente psicóloga, fono e principalmente com uma professora particular que foi e está sendo fundamental para o aprendizado dele.
José aprendeu a andar de bicicleta e voltou a se interessar a aprender a ler e escrever.
Para completar, foi para a colônia de férias onde ficou sozinho, dormiu e fez e tudo como todos, claro que tendo respeitado seu tempo. O José participou de colônias de férias desde os 4 anos, como forma de socialização e diversão sadia. Porém, quando chegamos aqui não encontramos nada parecido com o que ele tinha no Rio e passamos a conversar, pedindo informações até que descobrimos o Spazzo Speranza, que nos recebeu de braços abertos, sem preconceitos e com uma proposta muito parecida com aquilo que já conhecíamos. Ele sentia muita falta de amigos, brincadeiras e estar um pouco livre de nós, podendo aprontar livremente.
Fomos visitar o lugar e constatamos que tinha toda estrutura e segurança para abrigar os jovens e então decidimos fazer a experiência, dando a ele a opção de não dormir, caso sentisse insegurança. Para nossa surpresa ele ficou muito bem e quis ficar lá direto participando de tudo.
Como estava próximo de seu aniversário levamos um bolo e uns docinhos e o pessoal organizou uma festa surpresa para ele na “boite” do lugar, com tudo que ele tinha direito. Segundo relatos eles se esbaldaram pra valer e José e sua tropa dançaram de tudo até 1h00 da manhã, pode?
Enfim, ele chegou feliz mas um pouco marrento, se achando homem e querendo enfrentar a mim e ao pai, mas nada que algumas seções de psicologia não tenham dado jeito.
Agora, José aguarda ansioso o começo das aulas, pois conseguimos uma escola que o recebeu de braços abertos e sem preconceitos, depois de ter ouvido mais um “não” de uma escola aqui de Miguel Pereira, que em suas alegações questionou se ele seria feliz lá. Isso depois de várias entrevistas, conversas com fono e psicóloga, mas nunca quiseram conhecer meu filho.
Desisti, claro e fui bater noutra freguesia.
Essa nova escola é franciscana, a mesma congregação onde estudei a minha vida toda e estamos muito felizes, pois temos certeza de que ele será respeitado e querido, como é em todos os lugares por onde passou e passa. A diretora aceitou de bom grado todos os textos legais sobre inclusão.
Ah, esqueci de contar que aqui na cidade ele é extremamente popular; somos conhecidos como o pai e a mãe do Zé. Em alguns lugares onde temos conta, fica registrado “mãe do Zé” ou “pai do Zé”, quase ninguém sabe nossos nomes, o famoso é ele, o popular é ele, somos apenas coadjuvantes da estrela!
Graças a Deus, ele e nós fizemos muitos amigos que foram fundamentais, para suportarmos os péssimos momentos que passamos logo que chegamos aqui. O jeito de ser do José tem quebrado muitas barreiras e certamente muitas idéias preconceituosas contra pessoas portadoras de necessidades especiais. Esse tem sido nosso maior orgulho e vamos continuar nossa "guerra" sempre!
Agora ganhamos mais um cachorro e ele já acorda querendo vê-lo. Está se interessando pelo adestramento do Thor e do Barthy e acompanha nossos funcionários na organização da horta e do pomar. Chamamos o José de coronelzinho, pois adora inspecionar e dar ordens!
Realmente vivemos uma mudança radical em nossas vidas, a luta tem sido grande, mas temos feito tantos amigos e aliados que isso nos tem dado forças para continuar e mudar o que deve ser mudado.
Narli Blanco Resende Pinto de Souza, mãe de José e muito feliz com suas aventuras
Serviço
Colônia de Férias Spaço Speranza
Responsáveis: Dr.ª Denise e Sr. Ernani
Local: Miguel Pereira- região serrana próxima ao Rio de Janeiro
Site http://www.spacosperanza.com/
Tel. (24) 2483-8081
1 Valéria Brandão Teixeira - Magé RJ
Excelente, sou Pedagoga da Rede Pública e percebemos a necessecida diária da inclusão, em minha escola não temos alunos com o mesmo grau de José, mas casos de perturbações mais leves, provocadas talvez pelo insucesso do aborto, drogas e outros, são constantes em nossa escola, mas tentamos a todo momento sanar o grau de dificuldade encontrada entre eles, temos a sala de recurso q/ funciona como um apoio ao aluno de inclusão, com jogos atividades extras são oferecidas p/ els, e assim vamos atuando, fazendo a parte um trabalho de resgatálos e incluílos numa sociedade onde o padrão social ainda é fundamental. Parabéns pelo trabalho.
11/04/2009 09:30:16
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