O Presidente Negro - 19/01/2009
Os desafios de Barack Obama
Nas primeiras décadas do século XX um dos maiores escritores brasileiros, José Bento Monteiro Lobato, profetizou em uma de suas obras destinadas ao público maduro, a chegada de um cidadão negro à presidência dos Estados Unidos em seu livro “O Presidente Negro” [publicado em 1926]. Tendo vivido naquele país e reconhecido as características da democracia liberal norte-americana, Monteiro Lobato não estava prevendo com uma bola de cristal o que iria ocorrer menos de cem anos depois com a eleição do jovem e carismático senador Barack Obama.
Através de suas linhas, o criador de Emília e do Visconde de Sabugosa apenas nos apresentava a possibilidade real de eleição de qualquer cidadão ao mais importante cargo do planeta. A efetivação do sonho do presidente negro de Lobato demorou um pouco para acontecer, podem pensar alguns. Certamente a democracia norte-‑americana não estava amadurecida o suficiente para que tal fato ocorresse anteriormente.
Suas bases sociais passaram por difíceis e importantes provas quanto à questão racial - problema que ainda persiste, com a discriminação e o racismo colocando em xeque até mesmo a posse e a permanência de Obama. Em especial entre os anos 1940 e 1960, quando a luta pelos direitos civis consolidou-se e mostrou para o mundo as injustiças que ocorriam na mais rica nação da Terra.
E a eleição de Obama deu-se num momento mais do que delicado, em que o mundo globalizado passa por crise comparada por alguns especialistas com a maior e mais traumática de todas elas, a Crise de 1929. Ou seja, o desafio para Barack Obama é digno de Hércules. O crescente desemprego, a falência de empresas do setor financeiro e industrial, a queda nas exportações e todos os demais fantasmas relacionados à questão econômica em nível interno e também externo juntam-se a desgastada imagem dos Estados Unidos em praticamente todos os continentes.
Os imbróglios no Iraque e no Afeganistão, a incursão militar israelense na Faixa de Gaza, a guerra contra o terror, a ascensão e permanência no poder de governos francamente antiamericanos [como Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia e Correa no Equador] e a resistência dos norte-americanos durante o governo de George W. Bush em assinar tratados em prol da defesa do meio-ambiente tornaram ainda mais frágil a situação dos Estados Unidos nos dias de hoje.
É neste cenário que Obama toma posse. Formou para o grande desafio que terá pela frente uma equipe de assessores altamente gabaritados e experientes que, certamente, poderão ajudá-lo a reconduzir seu país à estabilidade. Não será fácil, os depoimentos do próprio Obama deixam isto bem claro. Se antes se falava em meses ou no máximo um ano para debelar a crise econômica e criar condições para a retomada do crescimento tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo, hoje já se fala em períodos mais prolongados, que podem inclusive ultrapassar o tempo de mandato do novo mandatário ianque.
A especulação financeira iniciada no mercado imobiliário norte-‑americano apenas deu o pontapé inicial na crise. De lá para cá os problemas migraram para os bancos e instituições financeiras de todo o mundo, abalaram as bolsas de valores, ameaçam empresas poderosas como a General Motors e ocasionaram duas reações imediatas por parte de governos e empresários, a saber: demissões e empréstimos governamentais de grande vulto.
Obama é, no exato momento em que escrevo estas linhas, esperança de milhões de pessoas tanto em seu país quanto no resto do mundo. Jovem e carismático como é, despertou em todos os cantos do planeta a esperança no surgimento de um estadista que seria capaz de trazer de volta aos países a estabilidade e, até mesmo, quem sabe, a prosperidade.
Sua capacidade de concatenar forças e aliados tem se mostrado bastante frutífera. A arranhada imagem de seu país pelo mundo afora ficou menos antipática aos olhos de cidadãos de vários países a partir de sua passagem por estas nações, quando o senador ainda estava em campanha. Nestas ocasiões sempre falou para grandes multidões [como na Alemanha, em julho de 2008].
Cidadão do mundo globalizado como é, filho e neto de quenianos pelo lado paterno e de norte-americanos pelo materno, criado por um padrasto indonésio [asiático] e tendo crescido no Havaí, paradisíaco arquipélago pertencente aos Estados Unidos, Obama formou-se em Chicago, onde iniciou sua militância pelos direitos das minorias e casou-se com a esposa Michelle.
Admirador de Gandhi, Lincoln e Martin Luther King Jr., Obama certamente também parte de princípios e ideias que encontram grande respaldo em todos os lugares pelos quais passa. Sua eleição, apesar da crise, tem sido saudada por ícones da cultura como Bono Vox da banda irlandesa U2 ou astros de Hollywood do peso de Tom Hanks, entre inúmeros outros.
O que se espera, a princípio, é um verdadeiro milagre que Obama certamente não conseguirá fazer em curto espaço de tempo. Neste sentido é importante dar-lhe crédito e conceder a seu governo o mais do que necessário tempo para que as medidas, que certamente irá tomar, possam fazer efeito. Quem sabe assim ele consiga não somente ter superado preconceitos raciais ao se estabelecer como presidente dos Estados Unidos, mas que também venha a escrever seu nome na história como o estadista que, entre outras coisas, conseguiu debelar uma das mais graves crises econômicas vividas no mundo e foi decisivo para promover momentos de paz e estabilidade no Oriente Médio e na relação com seus vizinhos latino-americanos.
Obs.: E que Obama seja o primeiro e abra as portas para outras minorias [ou maiorias] que ainda não tiveram a oportunidade de governar não apenas os Estados Unidos, mas também outras nações onde isto ainda não aconteceu. Que as mulheres, os hispânicos, os orientais ou outros grupos também tenham tal oportunidade.
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.