O Melhor de Anima Mundi - Volume 6 - 21/11/2008
Curtas de animação para todos os gostos
O mundo está diante de nós. E o que conhecemos dele? Sabemos muito pouco e invariavelmente pensamos justamente o contrário. Nosso tempo de vida, apesar de ter sido prolongado ao longo do século passado com os avanços da medicina, na alimentação, na educação, etc., ainda é escasso diante de tantas e tantas maravilhas [e desgraças] que existem no mundo.
Por mais que passemos toda a nossa vida de olhos bem abertos, com a sensibilidade aguçada ao máximo para tudo o que acontece ao nosso redor, estudando e percebendo em nossas viagens e leituras o universo de acontecimentos, informações, fenômenos, realizações e fatos – ainda assim teríamos que concordar com a máxima socrática, aquela que nos leva a concluir que, no final das contas, “só sei que nada sei”.
Somos realmente como um grão de areia numa enorme praia, por mais que isto possa parecer um chavão bastante surrado. E como percebemos isso com maior clareza? Quando entramos em contato com produções culturais tão diversas em festivais como o Anima Mundi, o Festival Internacional de Animação que se realiza de ano em ano no Brasil.
O DVD Anima Mundi Volume 6, por exemplo, nos coloca em contato com 8 curtas de animação dos seguintes países: Alemanha, Argentina, Brasil, França, Inglaterra, Itália e Rússia. Há duas produções brasileiras que fazem parte do DVD e que realmente merecem esse destaque. O festival é muito sério, competente e criterioso quanto ao seu processo seletivo e, ainda que nacional, não há patriotadas.
E se queremos conhecer o mundo, ainda que cientes da limitação de tempo que temos pela frente, uma alternativa para lá de interessante e enriquecedora é entrar em contato com essa produção cultural. No DVD temos uma amostragem daquilo que é o festival, um recorte breve, sucinto, resumido – mas que acaba sendo o suficiente para que possamos ver como o ser humano é múltiplo, multifacetado, colorido ou preto e branco, crítico e/ou bem-humorado, intimista e otimista, universal e/ou regional, cético ou global...
O DVD é composto por obras que tem entre 4 e 26 minutos. Diversos não apenas quanto às origens de cada um dos filmes, mas também no que se refere à estrutura narrativa, a temáticas, a técnicas utilizadas para se contar as histórias, os tipos de personagens, os componentes narrativos que dão suporte a trama/enredo, a proposta...
Há aqueles que querem encantar, seduzir, realizar sonhos, fazer pensar na vida, no amor, como Moya Lyubov [Rússia, 2006. Direção de Aleksandr Petrov] ou A Equilibrista [Itália/França, 2002. Direção de Roberto Catani].
Outras produções pretendem promover a reflexão acerca de temas contemporâneos, utilizando-se do drama ou da comédia, como os brasileiros Pax [Brasil, 2005. Direção de Paulo Munhoz] e Vida Maria [Brasil, 2006. Direção de Márcio Ramos] ou ainda do argentino Lapsus [Argentina, 2007. Direção de Pablo Zaramella].
Existe ainda espaço para filmes que trabalham de forma subliminar temáticas de interesse geral, como pano de fundo, para nos fazer rir e se divertir muitíssimo. Como nas produções da Alemanha – Sr. Schwartz, Sr. Hazen e Sr. Horlocker [Alemanha, 2007. Direção de Stefan Müller], dos Estados Unidos - Duelo de Cavaleiros [EUA, 2006. Direção de Sean McNally e Francisco Ruiz Velasco] e da França – Mesmo os pombos vão para o paraíso [França, 2007. Direção de Samuel Tourneux].
Sofremos, porém, com a dificuldade de acesso a estas produções, sempre restritas quanto à distribuição. As locadoras brasileiras privilegiam as produções de caráter comercial, dando em suas gôndolas, quase sempre, espaço destacado para os chamados blockbusters. Curtas-Metragens não têm espaço nas grandes redes nem, tampouco, nas pequenas e médias locadoras de bairro.
Se não bastasse isso, há ainda a falta de conhecimento e de identificação por parte do público brasileiro com os curtas-metragens. Nesse sentido, é sempre importante destacar o papel do Anima Mundi na divulgação e consolidação desse tipo de produção cinematográfica no Brasil e também do Porta-Curtas Petrobras [parceiro do Planeta Educação] e de seu projeto educacional, o Curta na Escola, na promoção dos curtas brasileiros através da Internet.
Os Curtas
A Equilibrista [Itália/França, 2002. Direção de Roberto Catani] – Poético e reflexivo, o curta do diretor Catani comunica pelas imagens e pela música de fundo, numa viagem pelas formas das pessoas e de objetos. Conta-nos, sem a utilização de palavras, a história de um amor em construção, de uma história de separação e distanciamento que poderia muito bem ser a da vida de muitos espectadores. A própria protagonista da animação, a equilibrista, é uma metáfora para uma vida de idas e vindas, de encontros e desencontros...
Duelo de Cavaleiros [EUA, 2006. Direção de Sean McNally e Francisco Ruiz Velasco] – Animação que encanta pelo apuro técnico e visual, a preocupação com os detalhes, a reprodução esmerada do contexto em que se desenvolve a trama, Duelo de Cavaleiros é uma escrachada comédia de hábitos. Os diretores McNally e Velasco nos colocam em plena Idade Moderna, nos jardins e arredores de um palácio francês pertencente a algum membro da nobreza e nos mostram a história de um inglês e um francês que disputam num duelo, para lá de modernizado, a companhia de uma bela dama... Muito engraçado, confiram!
Lapsus [Argentina, 2007. Direção de Pablo Zaramella] – O mais breve de todos os curtas e, tecnicamente, o mais simples de todos os que compõem o DVD [o filme é trabalhado exclusivamente em preto e branco], a produção do argentino Pablo Zaramella é, no entanto, uma das mais ousadas. Não há propriamente uma trama, no sentido mais convencional da palavra. Acompanhamos uma freira em seu caminhar até que ela se depara com a escuridão e fica sem saber exatamente o que deve fazer. Ao desafiar o lado negro da tela, ela é submetida a inúmeras transformações...
Mesmo os pombos vão ao paraíso [França, 2007. Direção de Samuel Tourneux] – Aparentemente despretensioso quanto à narrativa, cujo enfoque maior parece ser o humor, o curta do diretor Tourneux surpreende ao trabalhar temas como a morte, o pecado e a religiosidade de forma sutil. Não há pombos nesta história, o termo é utilizado para se referir a um padre, antenadíssimo na vida de sua comunidade, que quer aumentar os rendimentos da igreja [ou pessoais, quem saberá?] convencendo o pobre senhor Moulin a comprar uma engenhoca que o levará ao paraíso... Criativo e de visual esmerado, Mesmo os pombos vão ao paraíso é uma boa diversão e também interessante para reflexões sobre os temas subliminares que trabalha.
Moya Lyubov [Rússia, 2006. Direção de Aleksandr Petrov] – O mais longo e o mais belo curta de animação da coletânea Anima Mundi 6, o filme de Aleksandr Petrov honra a melhor tradição da literatura russa [ e dos eternos clássicos de Leon Tolstoy, Anton Tcheckhov, Fiodor Dostoievsky, Alexander Pushkin...] e, se não bastasse isso, ao longo de seus 26 minutos desenvolve a narrativa utilizando-se da estética impressionista celebrizada mundialmente pelo mestre francês Claude Monet. Sua belíssima e poética história nos coloca em contato com os dilemas de um jovem russo, ainda na casa dos 15 ou 16 anos, de família bem estabelecida, numa Rússia rural e distante no tempo, que se vê dividido entre os sentimentos que nutre pela filha dos serviçais que trabalham em sua casa e uma bela e aparentemente bem estabelecida jovem [mais velha do que ele] de sua vila. Foi certamente a produção que mais me impressionou e comoveu. Uma obra-prima!
Pax [Brasil, 2005. Direção de Paulo Munhoz] – Numa sala de reuniões se encontram representantes de diferentes religiões a discutir alternativas por um mundo melhor. Todos rezam pela paz. Todos querem harmonia entre os povos. Mas nem mesmo entre eles é possível conseguir isso! O diretor Paulo Munhoz desenvolve trabalho stop motion, utilizando-se de esculturas produzidas com massa de modelar, para nos colocar frente a frente com o enfrentamento entre aqueles que dizem lutar pela paz, mas que, no fundo [ou nas coxias, atrás das cortinas], se engalfinham por mais poder e influência. Crítico e bem-humorado, Pax é merecedor dos prêmios e menções que tem recebido e representa, com méritos, a boa qualidade de nossas produções em curta-metragem.
Sr. Schwartz, Sr. Hazen e Sr. Horlocker [Alemanha, 2007. Direção de Stefan Müller] – O mais hilário de todos os curtas disponíveis no DVD Anima Mundi 6, a produção alemã tem uma estrutura visual um tanto quanto psicodélica e é, certamente, a única entre todas que se assume politicamente incorreta ao trabalhar temas como consumo de drogas e sexualidade em uma animação. Num mesmo condomínio moram os senhores Schwartz, Hazen e Holocker. Cada um deles tem seu universo particular, como todos nós em nossas vidas cotidianas, mas as paredes escondem não apenas as diferenças mais casuais e, sim, propostas de vida totalmente diversas. Enquanto o senhor Schwartz é o cidadão modelo, tradicional e quer apenas ler o seu jornal... Hazen e Holocker estão vivendo no limite e, entre eles, não poderia dar outra coisa senão... Virar caso de polícia... Confiram! Engraçadíssimo! [Obs. Este curta de animação não é recomendado para projetos com turmas de Ensino Fundamental; Aplica-se mais para trabalhos com Ensino Médio, EJA e 3º Grau].
Vida Maria [Brasil, 2006. Direção de Márcio Ramos] – Refletir sobre as dificuldades e agruras de existências humanas, em tempo tão restrito quanto o de um curta-metragem, e nos fazer pensar sobre como nos repetimos e tornamos a vida previsível é obra para poucos e merece sempre respeito e atenção. O diretor Márcio Ramos se propôs o desafio e realizou, com Vida Maria, um excelente trabalho. Através da vida de Maria, de sua infância até a velhice, tudo se passando na tela, diante de nossos olhos em questão de poucos minutos, vemos a dura realidade do agreste nordestino, de suas terras áridas e colheitas minguadas e como esse contexto também torna a existência de quem por ali vive igualmente seca, desprovida de brilho, sonhos... O mais questionador e reflexivo de todos os curtas... Outra pérola!
Obs.: Para adquirir o DVD, entrem no site do Anima Mundi.
1 Marlene - São Paulo/São Paulo
Quanta sensibilidade e construção de sentidos há nesta obra.
Ela retrata a realidade de uma situação que está apenas começando a se transformar.
Farei a minha parte, como educadora que sou, acreditando e intervindo junto ao meu público, expondo que vale a pena estudar e apostar nesta proposta, aliada à contribuições como esta que acabei de assistir.
O vídeo Vida Maria retrata as minhas alunas, as Marias, que não puderam por diversas situações completarem seus estudos. Porém as Marias das quais comento estão de volta à escola, cheias de garra e ansiedade para concluirem o que há muito haviam sonhado.
Viva as Marias que hoje tomam outra posição e decidem buscar o que lhes foi negado. Obrigada.
O país agradece e se engrandece com o excelente trabalho de vocês.
Marlene
13/05/2011 13:25:28
2 AIDA QUEIROZ - rio de janeiro
Caro João Luís,
Gostaria de agradecer por suas palavras tão elogiosas sobre o Anima Mundi. Sabemos da credibilidade que o festival adquiriu ao longo desses anos, mas é sempre muito bom confirmar essa qualidade através de manifestações como a sua! Isso nos assegura que o caminho escolhido foi o correto e que o Anima Mundi deve continuar a promover o cinema de animação em nosso país. mais uma vez, obrigada,
Aída Queiroz
09/10/2009 16:23:35
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