Cinema na Educação
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Abril Despedaçado -
Sensível e tocante, uma obra-prima.

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“Central do Brasil” foi um divisor de águas na carreira do jovem e talentoso diretor brasileiro Walter Salles. Indicado com justiça a vários prêmios internacionais, sendo vencedor na maioria dos casos, teve grande sucesso de público no Brasil e no exterior, conferindo ao diretor um grande prestígio em nosso país e fora dele. Retratava um Brasil conhecido e desprezado por um bom número de pessoas, marcado por dramas como o tráfico de órgãos, o abandono de crianças, o fanatismo religioso e a pobreza das regiões áridas do sertão nordestino, tão desprezadas pelos políticos (exceto em períodos de campanha).

Tempos depois, Walter Salles retoma o caminho do sertão, se situa num distante 1910 e retoma o tema da aridez, das dificuldades dos sertanejos (verdadeiramente fortes como nos disse Euclides da Cunha, em sua obra clássica “Os Sertões”). Acrescenta a esses assuntos as rixas que marcam o cotidiano de inúmeras famílias que habitam aquelas regiões. Destaca algumas crendices, as poucas alegrias das crianças pobres que vivem em pequenas vilas empoeiradas, a falta de perspectivas das pessoas, a pobreza e a violência que impera entre as famílias.

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Retomar os caminhos da pobreza significa enfrentar o público, ávido por novas fantasias e cansado da realidade. Num país onde as más notícias são freqüentes nos telejornais e na mídia impressa todos os dias, falar de miséria não parece ser o melhor caminho para se obter sucesso de público. Mas há lirismo nas imagens e falas do filme “Abril Despedaçado” de Salles. Difícil não se congraçar com o pequeno Pacú (ou Menino, como diz ser seu nome), personagem que narra a saga de sua família, seu cotidiano, o conflito em que estão inseridos.

Complicado não se sentir tocado pela dureza do cotidiano de pessoas que, dia após dia, fazem mover incessantemente uma moenda, a prensar cana, a fazer o açúcar marrom surgir de tanto trabalho. Num escaldante calor de muitos graus, rodeado por moscas, suando demais, essa é a realidade de Pacú, de seu irmão Tonho (Rodrigo Santoro, em mais uma atuação destacada) e de seus pais. A cena inicial, em que todos se encontram a trabalhar, num movimento coordenado com o dos bois que auxiliam o esforço da moenda, rodando de forma inclemente, debaixo de sol fortíssimo e depois se reúnem a mexer o caldo extraído da cana, em tachos, para obter o açúcar que vai ser colocado nas formas, para resultar na rapadura, é fantástica, exemplar.

A se destacar, além da qualidade das imagens (a fotografia), a técnica esmerada que nos coloca diante de um filme de padrão internacional, comparável aos melhores trabalhos dos grandes diretores europeus ou norte-americanos. Tudo isso somado a uma digníssima apresentação de nossos atores e atrizes. Se em “Central” tínhamos a soberba Fernanda Montenegro e a revelação Vinicius de Oliveira (que faz uma ponta num velório), nesse temos a confirmação do talento de Rodrigo Santoro (que já havia se saído muito bem em “Bicho de Sete Cabeças”) e uma nova surpresa, o menino Ravi Ramos Lacerda. Se em “Central” tínhamos como elenco de apoio nomes de peso como Marília Pêra, Othon Bastos e Otávio Augusto, nesse “Abril”, contamos com os competentes trabalhos de José Dumont, Flávia Marco Antônio e uma ponta de Othon Bastos (entre outros).

A trama se baseia numa história do escritor Ismail Kadarê e foi adaptada para a nossa realidade, se encaixando tão bem que parece difícil acreditar não ter sido feita no Brasil. Trata da rivalidade entre duas famílias, os Breves e os Pontes, que disputam terras da região onde vivem (não parece estar claro qual o limite das propriedades onde as duas famílias residem).

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Como resultado de uma rixa antiga, as duas famílias se matam aos poucos. Seguem um código de honra da região, que estabelece que o matador de um membro da família rival passa a ter seus dias contados, devendo comparecer ao velório e ao enterro de sua vítima, tendo a partir de então, algumas semanas a mais de vida, equivalentes ao tempo que o sangue na camisa do morto demorar para se tornar amarelo por exposição ao sol. Para vingar a morte de seu irmão, Tonho (Santoro) é encarregado pelo pai de matar o assassino que promoveu o derramamento de sangue de sua própria família. Sua vida a partir daí muda muito.

Como contrapartida a toda a violência contida nessa parte da trama, temos o contato de Menino (Ravi Ramos Lacerda) e Tonho com dois artistas circenses, Clara (Flávia Marco Antônio) e Salustiano (Luiz Carlos Vasconcelos). Desse fortuito encontro nascem esperanças, alegria, desejo e amor. De um simples livro, dado por Clara a Menino, surgem histórias fantásticas criadas pelo garoto para iluminar a dureza de seu cotidiano.

Pena que o lançamento do filme nos cinemas tenha sido feito primeiro no exterior, para conseguir ganhar status e disputar prêmios internacionais. Teria sido muito mais interessante mostrá-lo primeiro aos brasileiros, a acolhida local seria muito mais calorosa. Isso não tira os méritos de Walter Salles, que produziu uma pequena obra-prima, digna de ser vista, revista e guardada como autêntico presente.

Para os educadores, vale salientar que o filme nos apresenta realidades não muito distantes do que ainda hoje é vivido em várias partes do Brasil. Da boleandeira (ou moenda) que representa a produção artesanal de açúcar podemos viajar para os pilões que produzem as farinhas, que alimentam inúmeras pessoas no Nordeste e em outras localidades. Das rixas familiares podemos deduzir a existência dos coronéis, que povoam a nossa história passada e presente. Da violência no campo, podemos tentar entender as lutas do MST, a reforma agrária. Dos artistas mambembes, podemos buscar entender o circo, a arte popular. Há muitas outras nuances que podem ser percebidas em “Abril Despedaçado”. Procure-as. Vale a pena!

Ficha Técnica

Abril Despedaçado

País/Ano de produção:- Brasil/Suíça/França, 2001
Duração/Gênero:- 99 min., drama
Disponível em vídeo e DVD
Direção de Walter Salles
Roteiro de Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Ainouz
Elenco:- Rodrigo Santoro, José Dumont, Flávia Marco Antônio, Ravi Ramos Lacerda,
Rita Assemany, Everaldo Pontes e Othon Bastos.

Links
-http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=3271
- http://www.abrildespedacado.com.br (site oficial)

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5 COMENTÁRIOS

1 Marfisa Reis - Antonio GonçalvesBa
O filme sem dúvidas é um grande recurso metodológico para quem é professor de História, podendo fazer a interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento como a literatura, artes, geografia,sociologia e até o Direito.
06/02/2011 23:39:07


2 dante - nova friburgo
Sou estudante,e na aula de História vimos esse filme,achei ele ótimo e explica muito bem as condições de vida de trabalho daquele povo. entendi também o por que das batalhas entre as famílias. gostei muito do filme! XD
31/08/2009 16:16:14


3 Natalia - xinguara Pa
Esse filme retrata perfeitamente a vida do povo do sertão. tem uma riqueza enorme de detalhes, desde o cenário as falas. exelente criação de Valter Salles.
16/08/2009 19:42:24


4 Núbia Nadja B. Almeida - Brasília - DF
Esse filme veio a retratar uma realidade nua e crua do povo nordestino! Muito bem trabalhado e de grande forma realista, o filme apresenta vários aspectos de uma história que ainda acontece, principalmente no sertão da Bahia.
09/03/2008 10:41:54


5 Berenice Leal - Belém
Tenho trabalhado com o filme Abril Despedaçado e sinto o êxtase dos alunos diante da tela. Procuro relacioná-lo à Literatura Regionalista apresentada pelo Modernismo Brasileiro. Como tem um enredo de fácil relação com os problemas agrários do Pará, as casas de farinhas e outros pormenores, o trabalho fica fantasticamente prazeroso.
21/08/2007 08:58:14


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