Abril Despedaçado -
Sensível e tocante, uma obra-prima.
“Central do Brasil” foi um divisor de águas na carreira do jovem e talentoso diretor brasileiro Walter Salles. Indicado com justiça a vários prêmios internacionais, sendo vencedor na maioria dos casos, teve grande sucesso de público no Brasil e no exterior, conferindo ao diretor um grande prestígio em nosso país e fora dele. Retratava um Brasil conhecido e desprezado por um bom número de pessoas, marcado por dramas como o tráfico de órgãos, o abandono de crianças, o fanatismo religioso e a pobreza das regiões áridas do sertão nordestino, tão desprezadas pelos políticos (exceto em períodos de campanha).
Tempos depois, Walter Salles retoma o caminho do sertão, se situa num distante 1910 e retoma o tema da aridez, das dificuldades dos sertanejos (verdadeiramente fortes como nos disse Euclides da Cunha, em sua obra clássica “Os Sertões”). Acrescenta a esses assuntos as rixas que marcam o cotidiano de inúmeras famílias que habitam aquelas regiões. Destaca algumas crendices, as poucas alegrias das crianças pobres que vivem em pequenas vilas empoeiradas, a falta de perspectivas das pessoas, a pobreza e a violência que impera entre as famílias.
Retomar os caminhos da pobreza significa enfrentar o público, ávido por novas fantasias e cansado da realidade. Num país onde as más notícias são freqüentes nos telejornais e na mídia impressa todos os dias, falar de miséria não parece ser o melhor caminho para se obter sucesso de público. Mas há lirismo nas imagens e falas do filme “Abril Despedaçado” de Salles. Difícil não se congraçar com o pequeno Pacú (ou Menino, como diz ser seu nome), personagem que narra a saga de sua família, seu cotidiano, o conflito em que estão inseridos.
Complicado não se sentir tocado pela dureza do cotidiano de pessoas que, dia após dia, fazem mover incessantemente uma moenda, a prensar cana, a fazer o açúcar marrom surgir de tanto trabalho. Num escaldante calor de muitos graus, rodeado por moscas, suando demais, essa é a realidade de Pacú, de seu irmão Tonho (Rodrigo Santoro, em mais uma atuação destacada) e de seus pais. A cena inicial, em que todos se encontram a trabalhar, num movimento coordenado com o dos bois que auxiliam o esforço da moenda, rodando de forma inclemente, debaixo de sol fortíssimo e depois se reúnem a mexer o caldo extraído da cana, em tachos, para obter o açúcar que vai ser colocado nas formas, para resultar na rapadura, é fantástica, exemplar.
A se destacar, além da qualidade das imagens (a fotografia), a técnica esmerada que nos coloca diante de um filme de padrão internacional, comparável aos melhores trabalhos dos grandes diretores europeus ou norte-americanos. Tudo isso somado a uma digníssima apresentação de nossos atores e atrizes. Se em “Central” tínhamos a soberba Fernanda Montenegro e a revelação Vinicius de Oliveira (que faz uma ponta num velório), nesse temos a confirmação do talento de Rodrigo Santoro (que já havia se saído muito bem em “Bicho de Sete Cabeças”) e uma nova surpresa, o menino Ravi Ramos Lacerda. Se em “Central” tínhamos como elenco de apoio nomes de peso como Marília Pêra, Othon Bastos e Otávio Augusto, nesse “Abril”, contamos com os competentes trabalhos de José Dumont, Flávia Marco Antônio e uma ponta de Othon Bastos (entre outros).
A trama se baseia numa história do escritor Ismail Kadarê e foi adaptada para a nossa realidade, se encaixando tão bem que parece difícil acreditar não ter sido feita no Brasil. Trata da rivalidade entre duas famílias, os Breves e os Pontes, que disputam terras da região onde vivem (não parece estar claro qual o limite das propriedades onde as duas famílias residem).
Como resultado de uma rixa antiga, as duas famílias se matam aos poucos. Seguem um código de honra da região, que estabelece que o matador de um membro da família rival passa a ter seus dias contados, devendo comparecer ao velório e ao enterro de sua vítima, tendo a partir de então, algumas semanas a mais de vida, equivalentes ao tempo que o sangue na camisa do morto demorar para se tornar amarelo por exposição ao sol. Para vingar a morte de seu irmão, Tonho (Santoro) é encarregado pelo pai de matar o assassino que promoveu o derramamento de sangue de sua própria família. Sua vida a partir daí muda muito.
Como contrapartida a toda a violência contida nessa parte da trama, temos o contato de Menino (Ravi Ramos Lacerda) e Tonho com dois artistas circenses, Clara (Flávia Marco Antônio) e Salustiano (Luiz Carlos Vasconcelos). Desse fortuito encontro nascem esperanças, alegria, desejo e amor. De um simples livro, dado por Clara a Menino, surgem histórias fantásticas criadas pelo garoto para iluminar a dureza de seu cotidiano.
Pena que o lançamento do filme nos cinemas tenha sido feito primeiro no exterior, para conseguir ganhar status e disputar prêmios internacionais. Teria sido muito mais interessante mostrá-lo primeiro aos brasileiros, a acolhida local seria muito mais calorosa. Isso não tira os méritos de Walter Salles, que produziu uma pequena obra-prima, digna de ser vista, revista e guardada como autêntico presente.
Para os educadores, vale salientar que o filme nos apresenta realidades não muito distantes do que ainda hoje é vivido em várias partes do Brasil. Da boleandeira (ou moenda) que representa a produção artesanal de açúcar podemos viajar para os pilões que produzem as farinhas, que alimentam inúmeras pessoas no Nordeste e em outras localidades. Das rixas familiares podemos deduzir a existência dos coronéis, que povoam a nossa história passada e presente. Da violência no campo, podemos tentar entender as lutas do MST, a reforma agrária. Dos artistas mambembes, podemos buscar entender o circo, a arte popular. Há muitas outras nuances que podem ser percebidas em “Abril Despedaçado”. Procure-as. Vale a pena!
Ficha Técnica
Abril Despedaçado
País/Ano
de produção:- Brasil/Suíça/França,
2001
Duração/Gênero:- 99 min.,
drama
Disponível em vídeo e DVD
Direção de Walter Salles
Roteiro de Walter Salles, Sérgio Machado
e Karim Ainouz
Elenco:- Rodrigo Santoro, José Dumont,
Flávia Marco Antônio, Ravi Ramos Lacerda,
Rita
Assemany, Everaldo Pontes e Othon Bastos.
Links
-http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=3271
- http://www.abrildespedacado.com.br
(site oficial)
1 Marfisa Reis - Antonio GonçalvesBa
O filme sem dúvidas é um grande recurso metodológico para quem é professor de História, podendo fazer a interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento como a literatura, artes, geografia,sociologia e até o Direito.
06/02/2011 23:39:07
2 dante - nova friburgo
Sou estudante,e na aula de História vimos esse filme,achei ele ótimo e explica muito bem as condições de vida de trabalho daquele povo.
entendi também o por que das batalhas entre as famílias.
gostei muito do filme!
XD
31/08/2009 16:16:14
3 Natalia - xinguara Pa
Esse filme retrata perfeitamente a vida do povo do sertão. tem uma riqueza enorme de detalhes, desde o cenário as falas. exelente criação de Valter Salles.
16/08/2009 19:42:24
4 Núbia Nadja B. Almeida - Brasília - DF
Esse filme veio a retratar uma realidade nua e crua do povo nordestino!
Muito bem trabalhado e de grande forma realista, o filme apresenta vários aspectos de uma história que ainda acontece, principalmente no sertão da Bahia.
09/03/2008 10:41:54
5 Berenice Leal - Belém
Tenho trabalhado com o filme Abril Despedaçado e sinto o êxtase dos alunos diante da tela. Procuro relacioná-lo à Literatura Regionalista apresentada pelo Modernismo Brasileiro. Como tem um enredo de fácil relação com os problemas agrários do Pará, as casas de farinhas e outros pormenores, o trabalho fica fantasticamente prazeroso.
21/08/2007 08:58:14
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