Negócio Fechado - 07/10/2008
Porta Curtas Petrobras - Direção de Rodrigo Costa
Quando alguém diz que as coisas já não são como antigamente, logo é chamado de saudosista ou de retrógado... Mas que o mundo mudou muito nos últimos 30 a 40 anos, isso é fato, e ninguém pode negar. Para muita gente as coisas mudaram para melhor. Temos computadores, Internet, TV de Plasma e LCD, automóveis flex, alimentos transgênicos, videogames e tantas outras possibilidades materiais com as quais nem sonhávamos há algum tempo. A vida ficou mais acelerada, cheia de opções, não vivemos mais no marasmo de antigamente, hoje estamos aqui, amanhã acolá, depois de amanhã... Quem sabe onde estaremos?
Por outro lado há pessoas que, como disse, sentem saudades do ritmo menos veloz, da conversa ao pé da porta ou da janela, dos pães e bolos sendo cozidos no forno e seu cheiro se espalhando aos poucos por toda a casa, das pessoas em roda tocando violão e cantando alegremente, de sentar e ler um livro embaixo de uma árvore...
Existem ainda aqueles que sentem falta até mesmo da conversa para fechar um negócio... Daquelas que se estendiam por alguns dias ou semanas, em que uma das partes estipulava um preço e não queria arredar pé, sem fazer concessões ou se permitindo, no máximo a pequenos abatimentos... Enquanto do outro lado, o comprador oferecia menos do que o produto realmente valia, ainda que soubesse da vantagem que teria nessa negociação, apenas para estimular uma conversa amigável entre compadres... Amigos esses que nem tinham no dinheiro o principal motivo para a tal negociação...
“Negócio Fechado”, curta-metragem de Rodrigo Costa, produzido em 2001, nos faz lembrar deste Brasil que ainda existe, mas que está a léguas de distância do universo virtual onde travamos nossas conversas, sem ao menos nos conhecermos, sem o olho no olho, sem o aperto de mão ou o abraço. Ambientado nas Minas Gerais, como deveria ser, onde as pessoas ainda se chamam pelo primeiro nome e conhecem toda a genealogia familiar de cada um dos habitantes dos pequenos vilarejos ou cidades onde residem.
“Negócio Fechado” resgata uma tradição em desuso, cada vez mais esquecida ou abandonada, herdada dos mascates e viajantes portugueses que seguiam pelas trilhas a vender seus produtos pelas fazendas do Brasil Colônia, a dos embates verbais entre compradores e vendedores, regados por um café ou por algumas doses de cachaça, sempre regidos por um código de convívio baseado na confiança e na amizade, a despeito de qualquer ganho auferido por um dos lados.
Mais que um tratado sociológico, o curta-metragem faz uma viagem no tempo, rumo a um país que era conhecido de todos até pouquíssimo tempo atrás e que hoje, tem que ser resgatado do baú de memórias, percebido a partir de fotografias em preto e branco, esmaecidas e puídas... A fazenda, a rede, o cafezinho na varanda larga e espaçosa, as rosquinhas frescas e quentinhas que acabaram de sair do forno, os compadres, a prosa, o tranqüilo bate-papo, a visita ao curral, a porteira, o cavalo que leva e traz pelas estradas de terra poeirentas... Tudo parece memória apenas... Ou, quem sabe, para aqueles que ainda guardam no meio da metrópole, entre congestionamentos e shopping Centers, um espírito aventureiro e exploratório, pelo menos um bom programa de fim de semana...
O confronto entre a cidade e seu ritmo alucinado e esse campo idílico, dos compadres e comadres, fica claro e evidente com a entrada em cena do jovem recém-chegado da selva de pedra, que diferentemente dos amigos de longa data, não negocia, simplesmente saca o talão de cheques e compra o objeto de seu desejo imediato... Com isso ele simplesmente joga uma pá de cal no mais saboroso resquício de um tempo cada vez mais distante e vago para toda essa geração multi-tarefas do terceiro milênio...
Que saudade daquele tempo...
Por João Luís de Almeida Machado, que viveu por anos numa fazenda, saboreando o café quentinho e as broas feitas no forno a lenha, saudosista com orgulho de suas origens caipiras do Vale do Paraíba...
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