Tudo ao mesmo tempo agora - 23/09/2008
O mundo dos seres multitarefas
Quando a clássica série de TV “Jornada nas Estrelas” [Star Trek] apresentou ao mundo um aparelho chamado “teletransportador” - que permitia aos tripulantes da nave Enterprise, comandada pelo Capitão Kirk e por seu mais fiel escudeiro, Spock, as pessoas consideraram aquele equipamento como mais uma elaboração futurista de pouca ou nenhuma perspectiva de concretização no futuro. Pensaram o mesmo dos comunicadores usados pela trupe daquela célebre nave espacial e, hoje, os celulares realizam as funções dos referidos aparelhos com enormes vantagens frente ao que a ficção havia proposto no final da década de 1960...
Laboratórios de pesquisa em algumas das mais importantes universidades do mundo [Nos Estados Unidos, Europa e Japão] trabalham nesse projeto. Querem concretizar o sonho humano do transporte molecular, que nos permitiria simplesmente “desaparecer” de um local e “reaparecer” em outro em questão de segundos. Resolveriam, com isso, problemas sérios do mundo contemporâneo, como, por exemplo, os enormes congestionamentos que atormentam a vida das grandes metrópoles.
Com uma tecnologia como essa poderíamos também acabar com os atrasos para compromissos profissionais, pessoais ou educacionais. Sairíamos de São Paulo e chegaríamos à Nova Iorque, Tóquio, Roma, Paris ou Londres em uma fração de tempo tão reduzida que seríamos capazes de fazer muito mais coisas do que fazemos hoje.
O meio-ambiente sofreria menos com a diminuição de veículos trafegando pelas estradas. O pesado tráfego aéreo que temos na atualidade diminuiria sensivelmente [e é possível que muitas empresas do ramo de transporte, aéreo ou terrestre, viessem a fechar as portas, pois teriam uma perda considerável de clientes]. Talvez nos tornássemos até mesmo livres da dependência do petróleo ou de qualquer outro tipo de combustível [que continuariam a ser produzidos para abastecer ainda algum resquício de uso em transportes ou outras necessidades de mercado].
Teletransporte molecular: Solução e Problema?
Pode parecer coincidência, mas ao mesmo tempo em que o sonho do teletransporte molecular é pesquisado e viabilizado em laboratórios científicos mundo afora vemos surgir um fenômeno detectado pelos especialistas chamado MultiTaskers [termo que, em português, foi traduzido como Multitarefas].
Inicialmente isso foi detectado em relação às crianças e adolescentes a partir da década de 1980 e, principalmente, entre os anos 1990 e o novo século. Trata-se de uma geração que, de acordo com os especialistas e estudiosos do fenômeno, consegue realizar várias ações ao mesmo tempo. Logram, por exemplo, pesquisar na internet ao mesmo tempo em que falam com os colegas pelo MSN, escutam música, jogam videogame ou ainda estando atentos a uma televisão ligada.
Famílias que têm adolescentes e/ou crianças em casa e disponibilizam instrumentos tecnológicos como computadores, internet, aparelhos de som ou televisão para seus filhos conseguem perceber o fenômeno sem grandes dificuldades. E as perspectivas futuras das novas tecnologias de informação e comunicação [NTICs] apontam na direção de equipamentos que consigam fundir todas essas funções num só aparelho, numa só tecnologia, que serão os computadores do futuro [mais que futuro, devemos pensar nessas máquinas no presente, pois elas já estão disponíveis no mercado, se bem que ainda com preços muito acima dos produtos acessíveis à maioria dos consumidores].
O problema, ainda de acordo com esses estudiosos do fenômeno MultiTaskers [Multitarefas] é que, ao dividir sua atenção entre tantos focos, essa geração tenha dificuldades ou ainda não consiga concentrar-se da forma como deveria numa determinada ação ou realização do gênero.
Por exemplo, o mais importante e, creio que todos irão concordar comigo, no tocante a todas as ações apresentadas no caso mencionado dos adolescentes ou das crianças que fazem tarefas [ou pesquisas escolares], assistem televisão, ouvem música, jogam videogame e ainda conversam com os colegas por comunicadores instantâneos são as atividades relacionadas aos estudos. Socializar, brincar, usufruir da produção cultural [música ou vídeos] e informar-se pela TV são atividades importantes e fazem parte da vida de todo e qualquer ser humano, seja qual for a idade destes, mas a educação deve ser encarada como prioridade número um para as referidas faixas etárias.
Os novos equipamentos tecnológicos, como os celulares, já preconizam a era multitasker ao permitir a execução de várias ações/tarefas ao mesmo tempo.
O que os especialistas nos dizem é que, divididos por tantas atribuições e possibilidades, vai ser muito difícil dar prioridade ao que realmente interessa, no caso, os estudos. Outra questão levantada refere-se ao fato de que ao centralizar a existência nos aparatos tecnológicos as pessoas realizam pouco ou nenhum exercício físico, interagem principalmente através dessas ferramentas [que apesar de ensejarem o intercâmbio acabam distanciando fisicamente os seres humanos] e reduzem sensivelmente o uso de outros recursos [como livros, jornais, revistas], a ida a locais de cultura [museus, teatros, cinemas...] e o contato com a natureza.
Agora, se irmos um pouco além, veremos que isso não está acontecendo apenas com a nova geração, que já nasce destinada a fazer “tudo ao mesmo tempo agora”. Também os adultos estão sendo conduzidos e reprogramados para lograr essa façanha, ou seja, trabalhar em várias frentes ao mesmo tempo, sem chance de dedicar suas energias, saberes e possibilidades para poucos projetos e, dessa forma, obter melhores resultados relativamente a eles.
Talvez por isso estejamos criando cada vez mais aparatos que nos permitem estar e ser, criar e recriar, planejar e executar tantas coisas ao mesmo tempo. Penso apenas que, como contraponto, perdemos a capacidade e a necessidade de refletir mais detidamente sobre o que precisamos e podemos realizar, perdemos a chance de nos conhecer melhor [quem são as pessoas com as quais você trabalha? Você tem uma dimensão exata disso?], nos distanciamos da natureza, deixamos de nos relacionar com a cultura...
Será que é isso mesmo o que queremos para nossas vidas?
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