A ONU e os Direitos Fundamentais da Pessoa com Deficiência - 04/09/2008
Dr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Organização das Nações Unidas vem aperfeiçoando, por meio de seus tratados internacionais, o processo de edificação dos Direitos Humanos, o qual se universalizou a partir da primeira metade do Século XX, para fazer frente aos abusos havidos no período das Guerras Mundiais e aos que foram cometidos posteriormente até os nossos dias.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência insere-se num processo de construção do conjunto dos direitos humanos, os quais foram sistematizados a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966, os quais elencaram os direitos individuais básicos e os direitos sociais. Posteriormente, esta construção voltou-se a grupos vulneráveis, a saber: minorias raciais, mulheres, pessoas submetidas à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, crianças, migrantes e, finalmente, pessoas com deficiência.
Observa-se, conforme expresso no próprio preâmbulo da última Convenção Internacional, que a atenção aos grupos vulneráveis visa dar eficácia aos direitos humanos de forma a fazê-los unos, indivisíveis e interdependentes, de vez que as liberdades individuais e os direitos sociais fazem parte de uma sistematização monolítica e reciprocamente alimentada.
Direitos básicos
A presente Convenção contém 30 artigos que contemplam direitos humanos universais, devidamente instrumentalizados para atender a necessidade do segmento das pessoas com deficiência, sem os quais os direitos em questão não se lhes beneficiam. Trata-se de assegurar-lhes, assim, direitos humanos básicos, como o de livre expressão, de ir e vir, de acessibilidade, de participação política, de respeito a sua intimidade e dignidade pessoal, bem como aqueles de índole social, como direito à saúde, ao trabalho e ao emprego, à educação, à cultura, ao lazer, aos esportes, à moradia, etc.
O próprio conceito de pessoa com deficiência incorporado pela Convenção, a partir da participação direta de pessoas com deficiência de Organizações Não Governamentais de todo o mundo, carrega forte relevância jurídica porque incorpora na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais e intelectuais, a conjuntura social e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos que lhe são inerentes.
Cem milhões
A necessidade de ver a Convenção aprovada com força de norma constitucional, porém, se faz mais ainda imperiosa, uma vez que as pessoas com deficiência representam um grupo composto por 24 milhões e 500 mil pessoas, segundo o último censo ocorrido em 2000, grupo este que é transversal às questões sociais, de gênero, de raça ou qualquer outro fator de discrímen, que todavia se agrava em razão da deficiência e do longo abismo cultural que vem isolando as pessoas com deficiência há séculos. Assinale-se, que em torno das pessoas com deficiência, há os seus familiares e cônjuges, os quais, por vezes, suportam ônus que não deveriam, justamente em razão da precariedade de acesso aos direitos que caracteriza o grupo em comento.
Pode-se afirmar, assim, que a Convenção atingirá, diretamente, cerca de cem milhões de pessoas no Brasil e, indiretamente, toda a população, considerando-se a notória elevação da expectativa de vida e as questões inerentes aos idosos, que guardam estreita relação com os direitos nela assegurados.
Faz-se mister a distinção histórica de se ter a presente Convenção aprovada com quorum qualificado e hierarquia constitucional. É que embora profusa a edição de leis em favor das pessoas com deficiência, os instrumentos normativos constituem-se de regras exortativas, desprovidas de sanção. Cumulam-se em quantidade sem qualquer sistematização principiológica ou técnica jurídica, como ocorreria num código ou num estatuto, o que dificulta o domínio da matéria por juízes, advogados e membros do Ministério Público.
Assistencialismo
Há que se superar, insista-se, em nosso país a prevalência do assistencialismo que pauta a matéria. A percepção do benefício assistencial desestimula a pessoa com deficiência a lançar-se à competição do mundo do trabalho bem como desonera o Estado da premência que, seria desejável, na instituição das políticas públicas amplas de saúde, educação, transporte, comunicação e remoção de barreiras atitudinais e arquitetônicas.
A assistência social não é um fim em si mesmo. Deve ser um instrumento de emancipação e, por isso, a concessão do benefício em tela deveria ser acompanhada de envolvimento do beneficiário com as demais obrigações estatais inerentes à escola, à saúde, ao trabalho etc. Parece assim, que a ratificação da Convenção sistematizará, por meio dos princípios normativos que contemplam o instrumento, a inteireza dos direitos humanos aqui expostos. Os direitos humanos constantes da Convenção serão incorporados ao ordenamento pátrio, com status de direitos fundamentais, tão logo se dê a declaração congressual, por meio do quorum qualificado.
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região
Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo
Doutor pela Universidade Federal do Paraná.
Fonte
Publicado no Jornal da AME.
Maria Isabel da Silva: bel_jornalista@yahoo.com.br
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.