Aprender com as Diferenças
Cristiana Soares Redatora, carioca e reside em São Paulo. Mãe da Luísa e da Lorena, apaixonada por Comunicação e Internet.

Na Pracinha com Luísa - 26/05/2008
Cristiana Soares

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- O que ela tem?

- Não tem nada. Ela é assim. 

Passados poucos segundos, a menina curiosa começou a brincar com a Luísa na areia como se no mundo não houvesse paralisia cerebral. 

Desde então, toda vez que alguém me pede para ficar explicando a deficiência da minha filha, dou uma resposta bem simplificada. A não ser, é claro, em circunstâncias específicas, oportunas. Para essas eu tenho até PowerPoint. 

Naquele dia, na pracinha perto de casa, disse àquela criança, nas entrelinhas. "Você quer brincar com alguém diferente de você? Se sim, ótimo, seja bem-vinda. Se não, paciência".

A gente tem que entender de genética para brincar com alguém com a cor de pele diferente da nossa? 

E se a pessoa gosta de namorar com pessoas do mesmo sexo que ela? 

Vou ter que entender de psicologia comportamental ou de sei-lá-o-quê? 

E se ela descende de uma comunidade ou etnia muito diferente da minha?

Vou ter que estudar história, antropologia e geografia antes de interagir com ela? 

- Você não tem o seu jeito?, eu disse. Então. Esse é o jeito dela. 

A garotinha compreendeu rapidamente aquilo que é tão difícil para muitos adultos. 

Toda vez que eu contratava alguma ajudante lá para casa, vinham aqueles olhos amedrontados suscitando que não iriam dar conta da Luísa. 

Uma semana depois, Luísa já tinha uma segunda mãe. 

Os olhares de estranhamento dos vizinhos, ao passar de alguns meses, tornavam-se receptivos. E vinham comentários do tipo: 

- Nossa, mas ela está evoluindo tanto. Estou impressionada! 

E eu pensava cá com os meus neurônios: 

- "Ela não evoluiu tanto assim, você é que se acostumou com ela e agora consegue vê-la." 

É verdade, a deficiência grita na frente. 

Antes que a pessoa por trás dela chegue. A gente vê a deficiência, de cara, e não consegue enxergar mais nada. 

Por isso, tirando alguns dias em que estou realmente de mau humor, não nutro sentimentos negativos em relação a essas pessoas. Não as vejo como discriminadoras ou preconceituosas. Apenas reagem ao que é diferente da maioria. 

- Que problema ela tem?

- No momento, nenhum. Está tudo bem. 

Problema é aquilo que tem solução. Deficiência é deficiência. Enquanto não houver o domínio das células-tronco ou de alguma outra tecnologia, não tem como “consertá-la". Ora, o que não tem solução não é problema. 

Problema é trazer minha filha à pracinha perto da nossa casa e não ter um brinquedo onde ela possa brincar. 

Problema é querer comprar uma cadeira de rodas bonita, prática, leve e funcional e não encontrar uma assim no Brasil. 

Problema é querer adaptar Luísa ao computador e não ter um teclado nacional que seja adequado para quem tem dificuldade motora. 

Problema é querer passear com ela nas redondezas e não ter uma calçada sem buracos que não torne o nosso passeio um ato perigoso. 

Há muitos outros problemas que precisam ser solucionados. 

Com a minha filha está tudo bem.

Ela tem uma saúde ótima, um emocional tranqüilo, é bem-educada e cheia de vida. 

Agora, não posso dizer o mesmo do país onde ela vive. 

Hoje tenho trauma de pracinha. Só de olhar para aqueles brinquedos, sinto um mal-estar.

Artigo publicado no Blog "Estou no mundo à PC": http://cidadao-pc.blogspot.com

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