Presidente Lula em Entrevista Exclusiva - 19/12/2007
Concedida à Sacha Band
Em entrevista exclusiva concedida à Revista Nacional de Reabilitação - REAÇÃO, pela comemoração do 10° aniversário desta publicação, o presidente da República, que declarou durante a coletiva oficial do Parapan 2007, no Rio de Janeiro que, por ter perdido um dedo de uma das mãos, também se considera uma pessoa com deficiência - está hoje com 62 anos, e no meio do seu segundo mandato. Pela primeira vez ele responde diretamente sobre questões ligadas ao trabalho do seu governo e as ações voltadas especificamente às pessoas com deficiência, e fala sobre acessibilidade, empregabilidade, esporte e a legislação existente.
Revista Nacional de Reabilitação: Está em tramitação na Câmara o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O senhor acredita que uma lei dessa natureza possa resultar em inclusão das pessoas com deficiência ou, pelo contrário, pode reforçar a segregação?
LULA: De fato, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso, o Congresso Nacional está discutindo neste momento os termos de um estatuto para as pessoas com deficiência. É uma iniciativa dos parlamentares, que pretendem aperfeiçoar direitos já garantidos hoje para o conjunto das pessoas com deficiência. Em minha opinião, melhorias são sempre bem-vindas, desde que levem em conta a opinião dos próprios interessados – ou seja, de associações e entidades como o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, o CONADE. Em maio de 2006, quando aconteceu a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, pude constatar pessoalmente o quanto a sociedade brasileira evoluiu na compreensão deste problema e apresentou um conjunto de propostas a serem observadas tanto pelo governo como pelos deputados e senadores. Posso assegurar que os órgãos setoriais do meu governo estão analisando os textos dos projetos de lei e seus substitutivos, para assegurar que os pontos positivos já existentes em nossa legislação permaneçam ou sejam aperfeiçoados. Entre as prioridades estão à acessibilidade, que foi contemplada no Decreto n° 5.296, que assinei em dezembro de 2004; a Educação Inclusiva, com todas as condições para que crianças, jovens e adultos com deficiência possam estar juntos com aqueles que não têm deficiência, desde a educação infantil até a universidade; e o atendimento integral de saúde, incluindo reabilitação e equipamentos – para que a pessoa com deficiência possa se tornar independente e conquiste o direito de trabalhar, de ter acesso à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer, além de assistência e previdência social.
Revista Nacional de Reabilitação: O Ministério Público está multando as empresas que não cumprem as Leis de cotas de emprego para pessoas com deficiência. Mas, por outro lado, é difícil encontrar pessoas nessas condições com capacitação suficiente. Como resolver essa questão?
LULA: Veja, a política de ação afirmativa para as pessoas com deficiência que temos no Brasil entrou em vigor 16 anos atrás, com a Lei n° 8.213, segundo a qual empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas a contratar de 2 a 5% de pessoas com deficiência capacitadas para o trabalho. Essa lei tem de ser respeitada, e cabe a órgãos governamentais como o Ministério do Trabalho e Emprego e ao Ministério Público do Trabalho fiscalizar seu cumprimento. Com relação à capacitação desses profissionais, o Fundo de Amparo ao Trabalhador financia cursos de qualificação, dispondo inclusive de intérpretes de Libras, conforme o Decreto n° 5.626, que assinei em dezembro de 2005. Estamos investindo também na educação básica, no ensino tecnológico e em outros programas, considerando sempre as necessidades das pessoas com deficiência – no Primeiro Emprego, no Pró-Jovem, no ProUni. O governo também aprimorou, em 2005, a legislação para permitir que o próprio empregador possa qualificar seus quadros, conforme previsto na MP nº. 251, convertida na Lei nº. 11.180. Queremos ver essas pessoas inseridas no mercado de trabalho, com possibilidades de assumir atividades bem remuneradas.
Revista Nacional de Reabilitação: Por sua determinação, o CONADE, inicialmente no âmbito do Ministério da Justiça, passou a ser vinculado à Presidência da República por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Qual foi a razão dessa mudança?
LULA: No meu primeiro mandato, criei a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), diretamente atrelada à Presidência da República e com status de ministério, justamente para dar o devido destaque a essas questões. Nos últimos anos, cada vez mais as democracias modernas reconhecem os movimentos de minorias sociais, como as pessoas portadoras de deficiência, na hora de definir suas políticas públicas. É por isso que tanto a CORDE, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, quanto o CONADE encontram-se na SEDH – com uma política voltada para a cidadania, a garantia de direitos, o combate aos preconceitos e a inclusão social.
Revista Nacional de Reabilitação: Os atletas paraolímpicos no Brasil precisam trabalhar para a sua sobrevivência e, muitas vezes, conseguem treinar apenas no tempo que sobra. Mesmo com essas condições adversas, costumam trazer um número muito maior de medalhas para o Brasil do que os atletas sem deficiência. O que o seu governo tem feito para que esses atletas possam se dedicar com exclusividade ao esporte?
LULA: Este é um problema sério no Brasil, que não afeta exclusivamente o atleta iniciante com deficiência: o mesmo ocorre com os atletas iniciantes sem deficiência. Mas é uma realidade que o nosso governo está empenhado em modificar. A Bolsa-Atleta, por exemplo, destinada à manutenção pessoal e esportiva do atleta de rendimento, tanto em modalidades olímpicas como para-olímpicas, é um dos programas prioritários do Ministério do Esporte. Por intermédio dela, atletas com deficiência podem, dentro das diversas categorias – Paraolímpica, Internacional, Nacional e Estudantil – receber apoio financeiro para seus treinamentos. Muitas vezes é com esta bolsa que eles sobrevivem, porque não contam com qualquer patrocínio das empresas. Mas acreditamos que as vitórias e medalhas conquistadas por eles irão minando o preconceito e atraindo patrocinadores privados. No ano passado, 854 atletas foram beneficiados pelo programa, dos quais 255 portadores de deficiência. O Ministério do Esporte também apóia a realização de competições nacionais específicas para atletas com deficiência e presta apoio financeiro às delegações nacionais para participarem em eventos no exterior. Além disso, as Loterias Caixa firmaram um contrato de patrocínio com o Comitê Paraolímpico Brasileiro no valor de R$ 4,8 milhões, e está em regulamentação uma lei que vai possibilitar o apoio a projetos esportivos por intermédio da renúncia fiscal. Sobre os jogos Para-Panamericanos deste ano no Rio de Janeiro, vale lembrar que o governo federal, entendendo a sua importância histórica, não hesitou em ser até o momento o único patrocinador. Torço para que este modelo que estamos adotando no Brasil pela primeira vez – de preparação de ambos os Jogos, Pan e Para-Pan, pelo mesmo Comitê Organizador – se reproduza não só pelo continente como no mundo todo. O Brasil estará representado pela maior delegação em Para-Panamericanos da história, com 334 pessoas, dentre elas 221 atletas – além de técnicos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, guias, apoios e dirigentes. É também a delegação mais bem preparada tecnicamente que o Brasil já teve. Estou confiante de que vamos conquistar excelentes resultados.
Revista Nacional de Reabilitação: Em relação à acessibilidade dos prédios federais, a situação ainda é precária. Um Decreto Federal assinado pelo senhor, no dia 2 de dezembro de 2004, impôs prazos à União para o cumprimento da acessibilidade em todas as suas edificações. Estamos em abril de 2007 e a situação apresenta poucas mudanças. O que impede que esse decreto seja obedecido integralmente?
LULA: As novas edificações no País já estão sendo construídas, desde o projeto, com a acessibilidade exigida pelo decreto que assinei. Já os prédios antigos estão sendo modificados gradativamente, de forma a eliminar, reduzir ou superar tais barreiras. Cito como exemplos o Palácio do Planalto e parte da Esplanada dos Ministérios, que já têm calçadas com rebaixamento de piso. A maioria dos ministérios apresenta alguma intervenção de acessibilidade física e está capacitando seus funcionários para atendimento em Libras. Além disto, por intermédio da CORDE estamos incentivando os responsáveis pela manutenção predial dos órgãos públicos em Brasília para que reservem, no orçamento no PPA 2008-2011, um percentual de recursos para essas obras.
Revista Nacional de Reabilitação: O Censo do IBGE indica que 26 milhões de brasileiros apresentam alguma deficiência ou incapacidade. Estatísticas do Banco Mundial nos revelam que nos próximos anos a deficiência, nos países em desenvolvimento, aumentará de forma significativa, pois há uma relação direta entre pobreza e deficiência. Quando candidato à Presidência da República, em visita ao IBDD, Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no Rio de Janeiro, em comemoração ao Dia Nacional das pessoas com Deficiência, o senhor lançou uma Carta dirigida a essas pessoas, contendo 13 pontos centrais para abordar a questão. Quais desses pontos foram cumpridos ou tiveram avanços?
LULA: A principal meta do meu governo é desenvolvimento com distribuição de renda e acesso à educação de qualidade. As políticas de enfretamento da pobreza que colocamos em prática no País têm grande impacto sobre a origem de muitas deficiências. Reduzindo as carências nutricionais e a falta de saneamento básico, por exemplo, estamos prevenindo doenças que podem vir a causar deficiências graves. No âmbito da saúde, investimos nas redes de serviços de reabilitação, implementamos a política nacional de saúde auditiva que contempla cirurgias de implante coclear, criamos o Programa Brasil Sorridente, que inclui pessoas com deficiências e aumentamos a transferência de recursos aos estados e municípios destinados a procedimentos de reabilitação e concessão de órteses e próteses. Cerca de 120 000 profissionais por ano vem sendo capacitados, nas equipes de Saúde da Família, para realizarem atendimento especializado. Também temos apostado no uso intensivo da comunicação por Libras em todas as esferas do governo, na formação de intérpretes e professores e na produção e distribuição de material didático em Braille. Outro avanço importante consta do recém-lançado Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), que é o monitoramento da matrícula escolar das crianças e jovens que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Já está decidido também que o Brasil vai perseguir as metas da Década das Américas das Pessoas com Deficiência, promulgada pela OEA para o período de 2006 a 2016.
Revista Nacional de Reabilitação: Na mesma ocasião, o senhor também disse: "Lamentavelmente, o Brasil ainda está engatinhando para cumprir políticas que já estão na Constituição de 1988. O mais difícil, que é a Lei, já está pronta. O que falta agora são procedimentos das autoridades para fazer com que ela seja cumprida." Em sua opinião, o que mudou nesses quatro anos para que essas leis sejam cumpridas?
LULA: A existência de um marco legal bem elaborado, refletindo as necessidades e a moral da sociedade, é essencial. Por exemplo, no nosso governo foram elaborados o Decreto da Acessibilidade (n° 5.296/04), a regulamentação da Libras (n° 5.626/2005) e a Lei do Cão-guia (n° 5.904/2006). Aprovamos, também, em 2005, a Lei de Biossegurança, que autoriza a pesquisa com células-tronco embrionárias, um importante passo para a busca de novos tratamentos. Todos sabem, no entanto, que leis não são suficientes para transformar a realidade. É preciso empenho e vontade política de todos. Da parte do governo federal, o cidadão portador de deficiência pode contar com nossa determinação no cumprimento das leis e na elaboração de políticas públicas efetivas para, em parceria com estados e municípios, melhorar a qualidade de vida dos quase 25 milhões de brasileiros portadores de deficiência.
Revista Nacional de Reabilitação: Nos últimos jogos Para-Panamericanos, os atletas brasileiros com deficiências conquistaram 228 medalhas, a primeira colocação na competição, fizeram 12 dos 25 recordes mundiais superados na disputa, superando os Estados Unidos, o México e o Canadá. Não seria o caso, a partir de mais este desempenho maravilhoso, ampliar os recursos financeiros e estruturais disponibilizados aos atletas, para que eles tivessem condições de dedicar seu tempo com exclusividade ao esporte, já pensando nas Para Olimpíadas de Pequim 2008? Há alguma perspectiva de ampliação dos investimentos no Paradesporto para um futuro próximo?
LULA: O resultado importante que nós tivemos nestes jogos comprova o sucesso da Bolsa-Atleta. Os beneficiários desse programa, pelo qual o governo federal custeia as atividades profissionais dos esportistas, eram 45% da delegação que participou dos jogos Para-Panamericanos. Ou seja, são pessoas que de outra maneira não teriam condições de participar de qualquer disputa. O incentivo é classificado em quatro categorias, com bolsas diferentes: Olímpica e Paraolímpica (R$ 2 500), Internacional (R$ 1 500), Nacional (R$ 750) e Estudantil (R$ 300). De fato, estamos ampliando esses investimentos. Tanto que o orçamento do Ministério do Esporte para 2008, enviado pelo governo ao Congresso Nacional, prevê a duplicação dos recursos destinados ao Bolsa-Atleta. Em 2007, o programa contou com R$ 13,2 milhões, e a previsão para o próximo ano é de R$ 26,4 milhões. Com esse aporte de recursos, poderemos aumentar o número de atletas beneficiados pelo programa. É assim que vamos pavimentar o caminho para as Para-Olimpíadas de Pequim.
Revista Nacional de Reabilitação: Gostaria de deixar alguma mensagem em especial para essas pessoas?
LULA: Gostaria de me dirigir às pessoas portadoras de deficiência e suas famílias para reafirmar meu compromisso maior: a inclusão social de todos os brasileiros. Uma grande nação só é digna desse nome quando proporciona oportunidades iguais a todos os cidadãos e cidadãs. Uma das prioridades do meu segundo mandato é uma agenda social que trate, no âmbito da cidadania e dos direitos humanos, das questões essenciais às pessoas com deficiência com programas e ações que transformem efetivamente a sua situação nos próximos quatro anos. O Brasil só será de fato “um País de Todos” quando as pessoas com qualquer tipo de deficiência receberem, do governo e da sociedade, o respeito, a consideração e o acesso a serviços públicos de qualidade.
1 Djacy Guimarães da Costa - Rio de Janeiro
Tenho surdez moderada num ouvido e severa noutro . O Hospital das Cílinicas USP chamoume para viabilizar Implante coclear . Fiquei muito triste porque não aconteceu isto. Relatei meu caso exibindo todos os exames pré cirurgicos ao Dr Portinho que se interessou em me cadastrar no Hospital gaffé Guingle no Rio de Janeiro. Ele há anos que aguarda recursos da União inviabilizando tal procedimento em mim. Por favor Exelentissimo sr Presidente Lula viabilize pelo SUS o Implante Coclear no meu ouvido direito. Em 1963 fui submetido à cirurgia do ouvido direito cuja técnica consistia em Stapedectomia sem sucesso . O uso das células tronco potencializaria esse ato cirurgico. Todavia peló longo trempo que aguardo a recuperaçao da audiçao não tenho mais paciência em aguardar a aplicação delas pelo caminho demorado. Será se o sr. Presidente autoriza o Implante? Sou aposentado pelo Ministerio da Saude e portador de Diploma de Curso Superior com o que alimento a esperança de voltar a trabalhar ou na minha atual especialização ou em atividade pública ligada à Educação cuja qualidade o sr Presidente há de convir seria uma condição sine qua non
01/10/2009 23:33:55
2 Norma Maria Chaves da Silva - Santa Inês
Gostei, é preciso que tenhamos sempre informações dessa natureza pra que possamos acompanhar e participar do processo político das pessoas com deficiências. Pena que só agora eu tenha tido acesso a esta entrevista!...
29/04/2009 09:24:46
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