Por que Heloísa? - 22/11/2007
Por Marcos Losnak
Meu avô, quando estava bem velhinho, vivia dizendo que as pessoas eram como laranjas. Todas iguais e, ao mesmo tempo, todas diferentes umas das outras.
Ele esparramava as laranjas da fruteira em cima da mesa e explicava que todas elas eram redondas e amarelas. Depois, começava a indicar as diferenças entre elas. Uma era mais achatada, outra mais longa. Uma tinha a casca lisa, outra a casca mais grossa. Uma cheia de pintas, outra repleta de verrugas.
Mas meu avô não parava aí. Cortava todas as laranjas ao meio e mostrava que não eram apenas parecidas por fora. Também eram semelhantes por dentro. E, logo em seguida, apontava as diferenças. A quantidade de sementes, os vários formatos, a disposição dos gomos, as cores, as doces, as azedas e muito mais.
Ele falava que, apesar das diferenças, todas as laranjas viviam juntas, numa mesma árvore, a laranjeira. E as árvores também viviam juntas, uma ao lado a outra, no pomar.
Com toda essa história, meu avô queria dizer alguma coisa sobre a necessidade das pessoas conviverem com as diferenças. Se relacionarem com as diferenças de maneira natural e tranqüila, sem nenhum bicho-de-sete-cabeças.
Algo bem semelhante ao que Cristiana Soares realiza em "Por Que Heloísa?", livro lançado pela Editora Companhia das Letrinhas com ilustrações de Ivan Zigg.
"Por Que Heloísa?" é o primeiro livro publicado no Brasil que apresenta às crianças a história de uma menina com paralisia cerebral. Uma criança diferente de outras crianças e, ao mesmo tempo, igual a toda e qualquer menina.
De maneira simples e sem sisudez, Cristiana Soares revela a vida da pequena Heloísa, seu cotidiano, sua maneira de ser, suas necessidades especiais e afetivas. Também revela as dificuldades iniciais que todos possuem para se relacionaram com pessoas diferentes. Demonstra como a diferença pode ceder naturalmente lugar à solidariedade.
E como a solidariedade pode levar à compreensão de uma ampla diversidade humana.
Assim como meu avô demonstrava que as laranjas são diversas, "Por Que Heloísa?" demonstra que as crianças também são diversas. E que todas devem viver ao lado de outras crianças. Como as laranjas num mesmo pé. Como as laranjeiras lado a lado, num mesmo pomar.
O livro infantil "Por que Heloísa?", da Cristiana Soares, editado pela Companhia das Letrinhas, é um dos meus mais recentes xodós. São tantas as razões porque eu gosto dele, que provavelmente me faltará poder de síntese neste texto.
O tema do livro me é muito caro. Ele conta a história de como Heloísa - uma menina com paralisia cerebral - e sua família encaram a vida; de como é viver assim na nossa sociedade; e de quanto falta para que o nosso mundo esteja mesmo apto a receber os diferentes.
Histórias que nos são mais próximas nos tocam mais do que outras. Como tenho uma amiga querida muito próxima que convive com a mesma realidade, foi muito emocionante ler o livro para a minha filha pensando nessa outra família de quem tanto gosto e admiro.
Mas este está longe de ser o único motivo para eu gostar do livro.Adoro o jeito simples com que a Cristiana conseguiu expressar sentimentos tão complexos como os da Heloísa (personagem inspirada em sua filha) e os da família da menina.
Ao falar sobre a força que ela precisa ter para superar os momentos de tristeza, por exemplo, há a seguinte frase: "Se eu ficar borocoxô, quem vai ensinar a ela que a vida é do balacobaco?"
Também me encanta o jeito didático, mas dentro do contexto, sem ser chato. As crianças tomam contato com palavras como "deficiência", "paralisia cerebral", "solidariedade" e "diversidade" de um jeito divertido como eu jamais poderia imaginar que fosse possível.
E me fascina particularmente o estilo do texto, cheio de indagações para os leitores, tornando praticamente impossível não iniciarmos uma conversa sobre o assunto a partir de sua leitura.
Olhem só algumas delas: "Mas, afinal, tem hora certa para sorrir, sentar e andar?", "Você conhece essa palavra, de-fi-ci-ên-cia?", "Mas qual é o jeito certo e o jeito errado?", "Por que muitas crianças com deficiência ficam sempre dentro de casa?", "Por que tudo é tão difícil para Heloísa?" E a indagação final, que é a minha preferida: "Por que você é tão linda, Heloísa?"
Como se não bastassem todos esses motivos, para completar, o livro é ilustrado pelo Ivan Zigg, de quem somos fãs aqui em casa. Ele tem um traço que adoro e que é tão característico, que basta olhar para a capa para percebermos que os desenhos são dele.
Gostar de ilustradores é uma coisa que aprendi com meus filhos, ao mergulhar novamente na literatura infantil, e o Ivan é um dos bons mesmo. Ao ponto de ele ser até um dos critérios de classificação na estante da Luísa. Há pelo menos três livros lá que ficam juntos, porque são livros ilustrados por ele.
Assim, não deu outra. A leitura foi um ótimo mote para uma conversa com a Luísa sobre como ela e os demais amiguinhos da escola estavam lidando com um colega cego mais velho da 4ª série, na primeira experiência inclusiva de sua escola que vivenciamos.
As palavras "deficiência", "solidariedade" e "diversidade" foram novamente ditas nessa conversa.
E minha filha gostou tanto do livro, que o levou para a escola para que a professora o lesse para seus amiguinhos da classe. E pelo que ela me contou, fez muito sucesso por lá. Também pudera, com tantos bons motivos assim para gostarmos dele!
Depoimento escrito originalmente para o Blog da Macacada.
Para saber mais e contato com a autora acesse o Blog: http://porqueheloisa.blogspot.com/
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